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Viagem, A

(Cloud Atlas, 2012)
6,2
Média
277 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

A viagem na maionese.

1,0

Guardadas as devidas proporções, A Viagem (Cloud Atlas, 2012) parece se alimentar das mesmas ambições de Terrence Malick em A Árvore da Vida (Tree of Life, 2011), um trabalho que também procura estender a linha do tempo, conectar situações distintas através de explicações cósmicas que tentam apresentar algum tipo de filosofia conciliadora entre conceitos científicos, religiosos e antropológicos. Talvez Malick tenha ficado só na intenção em muitos desses pontos, mas definitivamente passa longe de fazer feio como fazem os irmãos Wachowski nessa inexplicável salada-mista que quer abraçar o mundo, ou tentar resumi-lo em algo apequenado por coincidências toscas, visualmente rimadas por atores que repetem diversos papéis em um vai e vem no tempo quase cômico de tão mal estruturado. É o típico filme que quer ser tudo e não chega nunca a lugar nenhum – e olha que fica difícil entender como desceu tão baixo depois de passar por tantos lugares e por tantas épocas sem conseguir alcançar um objetivo.

Esse conjunto de histórias que vai desde a época de escravatura dos anos 1800 até o mundo pós-apocalíptico de um futuro muito distante do nosso atual presente. Nesse meio tempo faz parada em épocas como 1946, onde narra um romance homossexual reprimido, ou 1973, com a investigação de jornalistas sobre atividades irregulares na indústria nuclear. Em 2012 há uma trama supostamente cômica de velhos fugindo de um asilo e em 2144 temos uma espécie de recriação noir cibernética do universo de Blade Runner - O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982), onde um andróide promove uma revolução das classes inferiores. E a ausência de um deus ex machina para botar ordem nesse amontoado de gêneros socados pode parecer por um instante original, nos livrando daquelas “chaves” que conectam tudo e apequenam a obra, mas na verdade sua solução para orquestrar essas inúmeras tramas é ainda mais arriscada, por buscar uma resposta no conceito espírita de vidas passadas, reencarnação e carmas.

O resultado é um caldeirão que mistura gêneros cinematográficos, filosofia, espiritualidade, teorias absurdas, primitivismo, niilismo, e uma penca de temas de conscientização social, como a preocupação com o meio ambiente, a igualdade de gêneros, a propaganda contra-armamentista, as conseqüências boas e ruins do avanço tecnológico, as ameaças nucleares, a maldade nata do homem etc. Talvez uma tentativa de unir ficção-científica, cultura cyberpunk, religião e filosofia, como os diretores fizeram antes em Matrix (The Matrix, 1999), só que desta vez com furos maiores.

Para piorar, acaba como um conjunto berrante e mal realizado, lembrando produções do nível de uma telenovela bíblica, apesar do alto orçamento. A maquiagem que transforma os atores, a ponto de tentar mudar suas etnias, é de um exagero e mau gosto que chega a ser risível (Tom Hanks, que vai de médico a aborígene, só paga mico, assim como Halle Berry). Os saltos na linha do tempo são uma tentativa falha de passar a mensagem de que nossas ações podem gerar consequências de impactos duradouros e infinitos, ou talvez um recurso espertinho para deixar tudo com um ar mais “complexo” e passar uma sensação de homogeneidade, com as histórias se refletindo, se complementando, e tudo mais. A direção de arte tenta conjugar esse emaranhado todo em um visual kitsch que é muito próprio do cinema dos irmãos Wachowski, mas que aqui soa excessivo mesmo para a proposta grandiloquente. 

E se a intenção era fazer esse apanhado de tudo e de todos, para enfim parecer uma obra de alcance universal e atemporal, o que acaba se destacando mesmo é a curiosidade pelo paralelo entre este ousado projeto com a ultimamente bem comentada vida pessoal de um dos diretores. Na época de Matrix o chamávamos de Larry Wachowski e hoje, depois de uma cirurgia de mudança de sexo, podemos chamá-la de Lana. É impossível não associar um filme que retrate, entre tantos temas, a homossexualidade enrustida e a crise de identidade, além das mudanças de corpos experimentadas pelos atores em cada papel replicado em diferentes pontos da linha do tempo, além de discutir o mundo e suas drásticas metamorfoses, com todo o alarde da mídia em cima da transição de Lana. Talvez Lana queira mostrar o quanto tudo está interligado, ao mesmo tempo em que está sempre mudando e se adaptando, reafirmando sua posição como a agora única grande diretora transexual de Hollywood – e por conta disso temos um filme extravagante, metamórfico, delirante de ambição, mas infelizmente tão fora de eixo e sem noção do ridículo. A chance foi perdida e Cloud Atlas, romance-base deste filme, escrito por David Mitchell, continua como um livro impossível de se adaptar intacta e integralmente. 

Comentários (67)

Raphael da Silveira Leite Miguel | sábado, 16 de Fevereiro de 2013 - 13:49

Tambem achei essa nota 1 um exagero, mesmo nao tendo gostado do filme, com certeza valeria pelo menos um 4 ou 5 pelo conjunto da obra.

Luiz F. Vila Nova | sexta-feira, 17 de Julho de 2015 - 23:21

Um filme bastante polêmico e incompreendido, sem dúvida. Recomendado para os verdadeiros fãs dos Wachowskis.

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