Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Uma quase obra-prima, com humor e parte visual bastante originais. Mais um com a marca Wes Anderson de qualidade.

8,0

Wes Anderson sempre foi um diretor conhecido por seu humor refinado e altamente irônico. Definitivamente, não ousa tentar atingir as massas. Seus filmes são muito sofisticados e por isso ele é considerado extravagante. Não que a massa não entende extravagância, apenas não a aprecia da mesma forma que aprecia o corriqueiro. O que é uma pena. Este seu último lançamento, A Vida Marinha com Steve Zissou, possui todos os elementos que trouxeram fama ao diretor, e posso dizer que, ao lado de Os Excêntricos Tenenbaums, é seu melhor filme. O mais original deles também, o que quer dizer muita coisa.

O humor áspero e seco rege a história do documentarista e oceanógrafo Steve Zissou, em mais uma parceria do diretor com Bill Murray, em outro grande desempenho do ator, que consegue entender como ninguém o estilo deslocado de Anderson. Zissou está em final de carreira [aparentemente] porque ninguém mais liga para seus filmes. Em seu último trabalho, seu grande parceiro foi comido pelo que ele acredita ser um grande tubarão Jaguar, e ele resolve que seu próximo documentário será sobre a caça a esse terrível predador dos mares. Mas ele terá que lidar com orçamento apertado, a aparição de um filho que não conhecia, e até com um lacaio do banco, que está financiando parte do projeto.

Esse amontoado de personagens (só citei parte deles, há uma gama muito maior) traz uma diversidade quase sem igual de riqueza ao filme, pois mesmo com tamanha suruba fílmica, o roteiro multi-faceta é centrado no desenvolvimento dos personagens, enquanto inúmeras situações bizarras ocorrem com eles. Então espere conhecer a fundo Steve, seu filho (Owen Wilson também novamente em um filme do diretor) e as pessoas que o cercam, pois além da jornada através dos mares o roteiro proporciona uma jornada através do interior desses personagens, de forma bastante sensível, fazendo qualquer espectador mais atento se importar com eles. Os diálogos entre pai e filho trazem sempre informações novas, e mesmo em cenas cômicas aprendemos a conhecer melhor os personagens, o que é algo extraordinariamente raro no cinema atual, embora não seja nenhuma novidade no cinema de Wes Anderson.

E, independentemente do bom trato para com seus personagens, o filme também funciona de forma muito eficiente como uma comédia. Na realidade, possivelmente até melhor. Como já foi comentado, não é humor popular, o filme possui diálogos irônicos e secos, e personagens e elementos até repugnantes, como um cão de três (!) patas que passa a conviver, a partir de uma invasão pirata  (!) ao navio da equipe do documentário, com a tripulação. O roteiro não poupa o espectador de situações aparentemente sem fundamento, o que dá a muitas cenas (na realidade, a maioria delas) uma percepção no mínimo estranha, e isso até os críticos mais acirrados do filme deveriam reconhecer. Toda essa estranheza é, no mínimo, original, e essa originalidade pode ser bem vista dependendo do condicionamento do espectador (o que, na realidade, acontece com a maioria dos filmes: não é um crítico que definirá se o filme é ruim ou bom, e sim o condicionamento dos seus respectivos espectadores). Mas, ainda assim, posso garantir: há um punhado – na realidade muito mais do que isso – de cenas muito engraçadas. Apenas o humor não é o comum ou o usual.

A direção de Anderson progride a cada trabalho para um nível técnico perto da perfeição. Com fotografia belíssima e utilização de recursos fantasiosos, como animação stop-motion para peixes e espécimes inventadas pelo roteiro, Vida Marítima é um prazer visual, embora em um primeiro momento possa aparentar ser um trabalho ordinário nesse sentido. A montagem também ficou bem esperta, pois conseguiram solucionar o problema de filmar em um barco razoavelmente pequeno, cheio de salas pequenas, de forma bastante original: fazendo um recorte lateral, exibindo-o, em muitos momentos, como uma casinha de bonecas. Isso trouxe uma dinâmica bastante interessante a várias cenas, com planos bastante originais e divertidos.

Destaca-se também a trilha sonora, o que, mais uma vez, não pode ser novidade para quem já conhece o trabalho do diretor. Há várias interferências musicais em português promovidas pelo personagem do ator brasileiro Seu Jorge, que ganhou o papel graças ao fato de Anderson ter apreciado seu trabalho em Cidade de Deus. Essas músicas são adaptações do trabalho de David Bowie e, juntamente com o restante da trilha sonora, criam um clima melancólico ao filme, mas nem sempre negativo, é bom deixar claro. É tudo questão de clima: quem estiver se sentindo dentro do filme, integrado de coração ao enredo, verá isso como fator positivo; quem estiver aborrecido e achar todo o non-sense um tédio, vai ter a impressão de que a trilha sonora melancólica só está afastando ainda mais a diversão. Em meu caso, funcionou perfeitamente: a música combina muito bem com o estilo do filme.

Vida Marinha não é uma obra-prima, mas também não fica muito longe disso. Você poderá tanto achá-lo um dos melhores filmes que já terá visto quanto uma das maiores porcarias. Para quem gosta do diretor, é recomendação certa; para quem gosta de comédias diferenciadas, é recomendação com ressalvas (esse filme pode passar um pouco dos limites); para quem gosta do humor simples e tosco, é recomendação proibitiva. Ficam dados os avisos.

Comentários (1)

Faça login para comentar.