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Críticas

Cineplayers

Um drama diferente e, mesmo sendo uma refilmagem, ainda é mais original (e bom) que boa parte dos lançamentos atuais.

7,0

Um dos filmes mais sombrios e esquisitos do ano até o momento é uma refilmagem, ratificando ainda mais que 2003 é o ano das seqüências e das refilmagens.  Mas pelo menos A Vingança de Willard é uma ótima refilmagem. Não digo como comparação ao original, afinal não tive a oportunidade de assistir a ele, que é de 1971, mas sim em termos de qualidade mesmo. Crispin Glover é Willard, e quem conhece um pouco a personalidade do ator vai perceber este papel pode ser considerado uma luva para ele.

Willard é um sujeito anti-social, que mora com a mãe numa casa antiga e trabalhou sempre no mesmo emprego. Seu chefe o detesta e ele não tem amigos. O filme faz questão de mostrar essa situação logo no seu início, e é algo sufocante tanto para o personagem quanto para o espectador. O estreante como diretor Glen Morgan consegue criar uma atmosfera estupenda para apresentar o que se passa dentro da cabeça do personagem, sem que pra isso precise usar uma palavra sequer, apenas com a  câmera, que capta a expressão de Willard com a mesma quase encostada à ele. O resultado é muito mais que satisfatório, tornando o filme uma experiência dinâmica se o espectador se concentrar e se deixar levar: durante boa parte da projeção, me peguei sentindo as mesmas emoções do personagem. E isso é algo que poucos conseguem fazer hoje em dia.

O filme começa a ficar ainda mais esquisito quando Willard finalmente consegue arranjar seus primeiros amigos: um bando de ratos que vive no porão de sua casa. Eles logo se acostumam com a companhia de Willard, e este os treina para cumprirem suas ordens. O filme adquire um tom meio fantasioso nesse momento, mas ainda assim continua ótimo. O diretor consegue encaixar uma sub-trama muito interessante: dois ratos líderes disputam o título de “preferido de Willard” e, eu juro, somente com as expressões vazias de ratos, você consegue sentir a tensão acontecendo entre os dois. Os ratos são os melhores coadjuvantes do filme todo, e certamente mereceriam um hipotético Oscar na categoria animal.

Há ainda outros ótimos coadjuvantes. E todo o elenco é ótimo. A atriz Jackie Burroughs (que recentemente fez uma das professoras em Assunto de Meninas) faz a mãe de Willard, e tem uma personalidade tão intoxicante quanto a do filho, fazendo papel que lembra o de uma bruxa (bem, não literalmente, claro), no papel mais assustador do filme. Aliás, o fato de o filme possuir poucos personagens relevantes (além dos já citados temos ainda o chefe de Willard e a mulher que representa, mesmo que de forma distante, o interesse amoroso do personagem) acaba fazendo com que o desenvolvimento dos mesmos seja ótimo, o que é outro ponto a favor do filme, e mais uma coisa rara nos dias atuais.

A vingança, citada no título brasileiro do filme (pra quê?), de longe não é o ponto mais importante do roteiro, o que me faz rir mais uma vez da tentativa barata de tentar chamar público às salas de cinema. Pelo menos esse título não atrapalha (lembrem de Cidade dos Sonhos, onde um dos grandes mistérios do filme é citado no título brasileiro). De qualquer forma, a tal cena da vingança é boa, servindo para levar a um clímax bem interessante, embora um pouco aborrecido, já que a escuridão do tema e da própria fotografia do filme deixam ele um tanto cansativo lá pelos últimos 20 minutos (quando a cena ocorre). Ainda mais que o melhor do filme é seu início (os próprios créditos iniciais são ótimos). O filme tem ótimas pitadas de humor negro, como uma cena envolvendo centenas de ratos e um gato, que faz também parte do trailer do filme.

Tecnicamente Willard é um filme de aparência barata e simples, mas muito bem filmado. Usa bastante computação gráfica para recriar certas proezas dos ratos, e em algumas cenas ajuntá-los em centenas, talvez em milhares no mesmo lugar. A trilha sonora é boa e combina com o climão do filme. A fotografia e direção de arte abusam dos tons escuros (aliás, são os únicos tons encontrados no filme), podendo deixar o filme cansativo para muitos que não se sentirem ligados à história – fator que fez de Willard ser um pequeno fracasso nas bilheterias norte-americanas. Então aí já fica a recomendação: para ser apreciado, este filme exige atenção e boa disposição. Não é um filme fácil de digerir (embora não seja tão forte como posso estar dando a entender) e possui momentos bem tristes. Muitos podem detestar.

Em um ano tão fraco em termos de qualidade e originalidade como está sendo 2003, até o momento, é uma ironia que justamente uma refilmagem seja um dos filmes mais interessantes do ano, por ora. Não é uma história universal, grande parte das pessoas simplesmente dará as costas para o título, e é fácil entender o porquê. É bem cansativo em alguns momentos e possui alguns elementos ruins (a própria história da vingança é previsível e desinteressante). O melhor mesmo é a exploração do aspecto psicológico de Willard e da sua vida, que o diretor faz com maestria. E os ratinhos também roubam o show!

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