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Críticas

Cineplayers

As variações de Sang-soo.

8,0

Um dos diretores mais interessantes e inquietos vindos da Coréia do Sul, Hong Sang-Soo lança sua nova obra, A Visitante Francesa, um filme legitimamente contemporâneo, em todos os sentidos possíveis. Sang-soo assume o filme como obra cinematográfica desde o primeiro momento: toda as situações que serão apresentadas nossos olhos, como explica o início e a voz over, não são nada além do fruto da mente de uma jovem estudante de cinema entediada que resolve escrever roteiros para passar o tempo, todos os três envolvendo a mesma locação – um hotel litorâneo e basicamente os mesmos personagens, mas mudando suas pequenas histórias e alterando suas motivações para apresentar um panorama criativo que muito tem a dizer sobre o cinema feito hoje.

Tal qual Holy Motors (idem, 2012) - ainda que ambos os filmes tenham tantas divergências em si – A Visitante Francesa é outro que é tudo, e ao mesmo tempo, nada. Constroi tantas realidades para, em seguida, nos revelar que essa realidade é uma farsa. Alteram-se as motivações, alteram-se alguns fatos, e pronto, a independente diretora de cinema Anne, que vai à Coréia passar as férias com seus amigos, já não é mais a mesma. Agora é uma mulher casada que vai encontrar-se com o amante Coréia do Sul. O criador intervém de novo; eis que Anne agora é uma mulher traída que vai para o litoral sul-coreano buscar alguma paz e tranquilidade. Certas situações e diálogos se repetem, mas subitamente nada será como antes, e já não podemos julgar a próxima Anne com os critérios da antiga.

O ato de escrever, rabiscar e escrever de novo é inerente ao filme inclusive em sua estética; muitas vezes, o zoom “corrige” e reenquadra, desenhando uma nova moldura. Assumidamente adepto do digital, Sang-Soo faz um filme de cores marcadamente presentes na composição do quadro, de forma que através do contraste entre cada bloco, tenhamos pistas de como é a nova faceta de Anne; filmado em grande parte em planos-sequência, o filme carrega essa sensação de lentidão, de ações mínimas, de conversa à beira da praia. Não sabemos muito sobre o passado dos seus personagens, e o teor naturalista do diretor impede grandes aprofundamentos psicológicos; o único conflito que interessa é o de agora, que leva os personagens a terem delírios à beira do mar e confundido-os com a realidade; de terem aventuras abordadas de forma tão prosaica que assumem um caráter não de drama sentimental realista, mas de episódio, de instância, de um momento entre muitos.

Momentos esses que parecem confudir-se entre si, com o diretor brincando com um guarda-chuva que, escondido por uma Anne, é encontrado pela próxima; três Annes tão iguais mas tão diferentes podem não existir no plano real, mas são antes frutos de uma mente criativa. Essa é a estrutura por trás das três histórias criadas pela estudante e, acima de todas, a história de Hong Sang-soo, que costura a todas assumindo um verdadeiro “construto”, que apropria-se da linguagem da comédia de costumes e da temática do estranhamento, do “desconhecido em uma terra desconhecida”, para justamente levar o espectador a uma terra que o mesmo desconhece, que lhe é estranha, que não pode prever, que pode tipificar os personagens (o salva-vidas, o casal da próxima porta), mas não pode mais traçar seus panoramas, governar suas vidas, delimitar seus horizontes.

As variantes são tantas possíveis quanto Sang-soo e seu espectador quiserem; essa é uma ficção que nega o seu próprio realismo ao quebrar o compromisso da verossimilhança, do caráter de mimésis (imitação) para através da quebra de continuidade dramática – não continuar com os personagens, mas reinventá-los e reorganiza-los em suas funções constantemente – traçar um aparentemente simples, mas complexo em seu minimalismo, exercício reflexivo, onde temos que dialogar com nossa própria bagagem no que tange à narrativa, ter a satisfação da mesma constantemente negada, pois A Visitante Francesa jamais se assume como verdade, como autoridade, como um documento.

E na verdade, acaba ganhando o caráter de documento da nossa época tão confusa, multicultural e plural tanto social quanto artisticamente falando, onde as tradições são tão questionadas e já não fazem mais tanto sentido. Sem uma grande bandeira, a arte fragmenta-se, reinventa-se, precisa menos de retórica visceral e mais de questionamento, de enxergar a ideologia e a estrutura por trás do paradigma, de observar um quadro em plano geral e dar um zoom e fechar de forma nem um pouco sutil. O cinema, nas mãos de artistas como Hong Sang-soo, já pode despir-se das bandeiras, da imitação convicente do real, da gramática estética tradicional de planos, já pode embeber sua estrutura com a “mágica” da pluri-identidade e da destruição da estrutura tradicional e desta forma tão contemporânea, assumir-se como cinema, pura e simplesmente.

 

Comentários (3)

Polastri | domingo, 21 de Abril de 2013 - 13:01

Já foi né, lançaram e já tá saindo dos cinemas, haha. Achei bem feio também.

Marcos Vinicius Bueno | segunda-feira, 07 de Março de 2016 - 22:03

definitivamente não... um teste de paciência, no qual reprovei.
Não o recomendo a ninguém.

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