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Críticas

Cineplayers

É tempo de efeméride: como a história pessoal de Eliot Tiber cruzou-se com o festival de música pop que se tornou ícone de uma geração ou como Ang Lee conseguiu dirigir Woodst

8,5

Tudo bem, Ang Lee não dirigiu 500 mil pessoas drogadas no meio da lama, mas ainda assim conseguiu um belo plano-seqüência quando Elliot (Demetri Martin) pega carona na garupa de um policial para conseguir chegar à fazenda dos Yasgurs, onde aconteceram os shows do festival: é nessa cena que o diretor desfila todos os tipos e situações que já ouvimos serem contadas sobre o que Aconteceu em Woodstock. O que vemos dessa vez vem da perspectiva que geralmente se percebe nos trabalhos de Lee: um olhar apurado sobre o comum, ou sobre aquilo que passaria despercebido em meio a algo tão grande quanto Woodstock, depois de 40 anos de história.

As apresentações de Janis, Hendrix ou Joan Baez. É a partir da história de Elliot Tiber que vemos as transformações culturais pontuadas e difundidas pelo festival cujo lema era “três dias de paz e música”. Designer frustrado que larga sua vida em Nova Iorque para ajudar os pais com o velho hotel de beira de estrada – o El Monaco –, Elliot retorna com o sentimento de estar enterrando a vida ali na pequena Bethel. Com o cargo de presidente da Câmara de Comércio da região, ele já realizava eventos locais em que colocava seus próprios LP's para serem ouvidos no jardim do hotel (e por isso “uma geração nasceu em seu quintal” é um bom slogan para o filme). Quando se uniu ao produtor Michael Lang para abrigar o festival de Woodstock na fazenda de Max Yasgur (Eugene Levy) – o vizinho que produzia o melhor leite com chocolate da região – é lógico que ele não sabia a grandiosidade daquilo em que estava metendo sua cidade, apenas tentando conseguir dinheiro para salvar o hotel das dívidas. Esse é o resumo da história real do cara de família judia que pintava quadros que ninguém comprava e que meio sem querer foi fundamental para que esse evento pudesse comemorar mais um aniversário com uma lembrança tão afetiva quanto os filmes de Ang Lee costumam ser.

Fixando-se nos conflitos da família Teichenberg (Tiber é como um diminutivo que Elliot usará depois), conhecemos o pai Jake Teichenberg (Henry Goodman), um fazendeiro rude e trabalhador que sofre de reumatismo, e a mãe, Sonia, que mais parece uma tropa, como é sugerido em algum momento do filme. Imelda Staunton está muito inspirada no papel da mãe judia que segura o filho perto de si com obrigações morais e muito mau humor. A trama parece nos conduzir a pensar que ainda que não soubessem, somente os três Teichenberg poderiam segurar a barra de serem o esteio sob o qual o evento é montado.

Ao redor dessa relação e da montagem do festival desfilam vários coadjuvantes que são as cerejas de um bolo tão grande e cheio de cerejas que às vezes é preciso dividir a tela em duas (às vezes até em três): Emile Hirsch é Billy, amigo de Elliot e outro cara comum que nasceu em Bethel; ele acabou de voltar pra casa, psicologicamente abalado, depois de ter servido o país na guerra. O travesti Vilma (Liev Schreiber) surge da multidão de pessoas para ajudar os Teichenberg a controlar os níveis de violência da moçada e vai ganhando a confiança de todos num lugar em que normalmente não seria acolhido. A trupe de atores que mora no celeiro do hotel é comandada por Devon (Dan Fogler) e garante vários momentos cômicos, sendo automaticamente incorporada à equipe Woodstock onde pôde finalmente exibir suas versões “contemporâneas” dos clássicos do teatro. Paul Dano faz um ponta na cena em que Elliot viaja no LSD.

Mas, o que dá vida à essa recriação da atmosfera caótica e desgovernada que foi o festival são os figurantes, com suas roupas coloridas ou até sem elas: como na cena em que Vilma e o Sr. Teichenberg correm atrás de uns arruaceiros e param na beira do rio em que dezenas de pessoas tomam banho e se divertem, despreocupadas, enquanto os primeiros shows ecoavam no vale.

Seja pela temática da luta pelas liberdades individuais e da fotografia inspirada em trucagens comuns à TV da década de 70 com a inserção de alguma imagens com aparência de super 8, é fácil lembrar de Milk – A Voz da Igualdade

Com a sensibilidade que costumamos associar ao cinema de Ang Lee, e a maneira universal com que aborda seus temas, sem se escorar em preconceitos fáceis, o diretor traz à tona a humanidade dos personagens que sua câmera toca. E é nessa humanidade comum e ao mesmo tempo fascinante que ele nos aproxima do movimento hippie e nos faz sair do cinema pensando em como nos transformamos nessa sociedade medrosa e solitária que nem de longe lembra Woodstock.

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