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Críticas

Cineplayers

As marcas do primeiro amor e da mise-en-scène de Mia Hansen-Løve.

7,0

A voz suave de Johnny Flynn em dueto com Laura Marling embala a trama de Adeus, Primeiro Amor (Um amour de jeunesse, 2011) em seus momentos finais, com a canção The Water, sanando assim qualquer dúvida a respeito das intenções da diretora Mia Hansen-Løve com esse seu novo trabalho – isto não se trata de um filme qualquer sobre um tema recorrente. Entre outros problemas envolvidos em fazer um filme que fala sobre um casal jovem descobrindo o primeiro amor, o que realmente preocupa é conseguir sair do óbvio e se mostrar diferenciado em relação a tantos outros trabalhos com o mesmo enredo. E reside justamente nesse ponto de partida já tão conhecido por nós a ambição da cineasta de remodelar por completo esse drama batido e nos oferecer, finalmente, algo novo em que se apegar.

O tipo de cinema que se preocupa em contar historinhas românticas sobre o primeiro amor normalmente não é o mesmo tipo de cinema que se preocupa em ousar em aspectos como manuseio de câmera e inserção de simbologias relevantes. Mas no caso de Adeus, Primeiro Amor temos uma cineasta francesa que em momento algum se limitou a simplesmente filmar uma história convencional. O cinema de Mia Hansen-Løve consiste na abordagem de temas relativamente comuns, que ganham novas dimensões sob sua lente inquieta, nunca acomodada. E é justamente nessa ousadia de ir além das técnicas tradicionais, de se fazer presente em cada nova seqüência, que a cineasta mergulha por completo no universo de seus personagens e traz à tona uma avalanche de sub-temas que ninguém esperaria enxergar em uma premissa aparentemente tão simples.

Tudo é singelo demais no início de Adeus, Primeiro Amor, quando somos apresentados ao sentimento puro e verdadeiro que nasce entre os jovens Camille (Lola Créton) e Sullivan (Sebastian Urzendowsky). Durante as férias de verão eles se apaixonam com uma intensidade que somente a imaturidade juvenil pode justificar. Mas Sullivan é muito jovem e ainda não se conhece bem, decidindo assim passar um ano viajando pela América do Sul em uma jornada de auto-conhecimento. Camille acredita que as cartas serão o suficiente para mantê-los unidos durante esse tempo todo, mas o inevitável acontece – depois de alguns meses as cartas vão ficando cada vez mais raras até cessarem. São necessários quatro anos até que as cicatrizes no coração da moça se fechem, para enfim iniciar um novo romance - muito mais maduro - com um arquiteto renomado. Sullivan então volta a cruzar seu caminho e tudo que Camille pensou já ter superado volta a assombrá-la.

O carinho da diretora com sua protagonista é tão meticuloso que sua câmera ultrapassa os limites físicos e invade a alma de Camille. Isso é um truque que acaba viciando o espectador de tal forma que, assim como Camille se vê dependente de seus sentimentos e de seu amado, nós nos vemos dependentes da câmera para poder entender cada vez mais as constantes mudanças dos sentimentos em seu coração. Na outra ponta, a viagem de auto-conhecimento de Sullivan se transforma, sob a lente de Mia, em uma viagem sem volta para dentro dos conflitos internos do personagem. Tudo faz parte de um mundo de símbolos criado pela diretora que o tempo todo está nos propondo novas descobertas – assim como acontece com Camille e Sullivan.

Temas pertinentes para filmes sobre a juventude, como o medo e a insegurança com o futuro, ganham espaço como um tipo de continuidade aos sentimentos instáveis do casal. Parece que o futuro está o tempo todo espreitando a vida deles, ameaçando por fim chegar e trazer as mudanças tão temidas por ambos. A atmosfera do filme é tão rica visualmente que, de certa forma, parece que os cenários, as estações e as cores da fotografia interagem diretamente com o humor de Camille – à medida que ela vai crescendo e amadurecendo, os ambientes ao seu redor a acompanham nessa evolução. Mas quando, por fim, Sullivan reaparece, não fica difícil entendermos que aqueles sentimentos de Camille na verdade nunca morreram, só estavam adormecidos pelo tempo. Mesmo agora sendo uma mulher adulta e bem sucedida, Camille não deixou de ser, no fundo – um fundo tão bem explorado e que conhecemos melhor do que ela própria – uma menina. Por mais que o futuro – o “vilão” da história – a tenha modificado por fora, seu amor inconseqüente por Sullivan se mostrou imutável e imortal. 

Talvez seja o cuidado feminino de Mia na direção precisa e incisiva que faça de Adeus, Primeiro Amor uma experiência tão profunda. Aqui o cinema ganha sua projeção mais pura e verdadeira – sua imagem diz mais do que as palavras. Trata-se de um filme de silêncios e olhares, que nunca abusa dos diálogos, mas que mesmo assim consegue se manter tão cheio de mensagens a passar. A lente de Mia é uma janela para a liberdade das imagens caladas, que são o suficiente para nos fazer entender com êxito cada ideia apresentada. Como diz a música cantada por Johnny Flynn e Laura Marling, há algo de livre na correnteza de um rio, mas inevitavelmente ele continua sempre lá, estático e imutável. Com os sentimentos de Camille acontece o mesmo, com o cinema de Mia Hansen-Løve também, e com nós - espectadores estáticos transportados pelo filme para um mundo de imagens livres e finitas – também.

Comentários (6)

Deusdete Garcia dos Santos Junior | segunda-feira, 19 de Dezembro de 2011 - 01:23

Apresentação maravilhosa. principalmente quando descreve a relação entre a protagonista Camille e a dependência com a Câmera . Filme Legal !

Patrick Corrêa | sexta-feira, 23 de Dezembro de 2011 - 00:27

O texto está lindo! Só não achei o amor dos dois tão puro assim.

Rodrigo Torres | quarta-feira, 02 de Janeiro de 2013 - 01:20

Nada puro! Mas concordo, ótimo texto.

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