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Críticas

Cineplayers

A era da "guerra contra o terror" refletida no cinema.

6,0

Há quem diga que um filme é e sempre será o reflexo do seu tempo – do cenário político e econômico, das tendências culturais contemporâneas. Seja qual for o enredo, ou mesmo em que tempo se passa a trama: até uma história de época geralmente é uma manifestação velada correspondente a um tema atual, nem mesmo que este seja referente a própria vida pessoal do realizador.

Poucos filmes se propõem a encarar de forma tão direta e levam tão à risca o clima da era do pós-11 de Setembro como Adoração.  Muito da paranóia, da discussão em torno da autenticidade de atentados terroristas supostamente cometidos em prol de um bem maior, as divergências culturais e de ponto de vista são temas tateados neste longa-metragem canadense. A estratégia do roteiro está em, tomando por base uma trama familiar bastante incomum (e inclusive bem inverossímil), trazer um olhar sobre o terrorismo por parte de quem viveu o problema na pele.

O enredo gira em torno de Tom, jovem órfão criado pelo tio intolerante política e religiosamente, quando supostamente descobre que seu pai (falecido junto com sua mãe em um acidente de carro não esclarecido) era um terrorista – alguém capaz de colocar a vida do próprio filho e da esposa em risco em benefício de um atentado em um avião, por exemplo.

Partindo de tal premissa, o espectador é lançado, em boa parte do filme, diante de uma série de discussões de sala de aula, diálogos em chats de webcams, onde cada indivíduo dá o seu parecer sobre o tema terrorismo, tomando por base a história contada por Tom. Nesse sentido, Adoração é um filme que mescla com considerável desenvoltura imagens de cinema com imagens de webcams, registros de filmes de celular, e toda a sorte de linguagem audiovisual contemporânea – é um filme que constantemente quer se afirmar como uma manifestação urgente dos tempos atuais, na sua forma e no seu conteúdo.

O problema maior está na relevância deste tipo de discurso.  Inicialmente, há um forte clima de suspense, e o filme se direciona para um debate bastante acalorado sobre terrorismo, fanatismo religioso, intolerância, e o principal: parece propor um viés para se levar a uma reflexão sobre a origem de tais paixões.  Abordar um assunto de tamanha complexidade não é tarefa fácil. Tamanha pretensão, em fazer um filme que queira discutir desde a natureza humana até todos os conflitos político-religiosos do Oriente Médio, a questão Ocidente x Oriente, condiz muito mais com a figura de um cineasta iniciante saindo da adolescência do que para alguém do gabarito de Atom Egoyan, bastante experiente e com um currículo de ótimos filmes.

Entretanto, a presença de Egoyan não é arbitrária, e há muito de seus filmes passados em Adoração – repetindo seus temas recorrentes. Em O Doce Amanhã, de 1997, seu melhor trabalho, já havia a questão do acidente automobilístico, o impacto da morte sobre a vida e a busca na memória e na subjetividade dos personagens para compreensão do significado de uma tragédia. Em Verdade Nua, de 2005, há novamente a investigação culminada pela morte.

Porém Adoração tinha tudo para ser seu trabalho mais representativo, tanto pela pertinência do tema quanto pelo fato de Atom Egoyan ser um egípcio radicado no Canadá, ou seja, um realizador de cinema com ampla capacidade de fornecer um olhar legítimo, um ponto de vista de quem de fato está em tese a encruzilhada entre religião, cultura e intolerância.  E o que poderia culminar numa apoteótica visão cinematográfica sobre a “Era do Terror” descamba para um drama familiar um tanto aborrecido, sem o menor foco e que não diz a que veio. Como cinema, é um filme sem fôlego e sem pegada, deixando de cumprir com suas promessas iniciais.

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