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Críticas

Cineplayers

O duelo entre Jake La Motta e Rocky Balboa sai sem vencedor.

4,0

Qualquer pessoa que conheça um pouco sobre a história do Cinema e tenha ouvido falar em Ajuste de Contas (Grudge Match, 2013) durante sua produção certamente se empolgou com a ideia vendida pelo filme. Afinal, apesar de se tratar de uma comédia, o que se prometia nas telas seria um encontro lendário entre aqueles que são, provavelmente, os dois maiores boxeadores que o Cinema já viu: o “touro indomável” Jake La Motta e o “garanhão italiano” Rocky Balboa. E não se tratava apenas de ver Robert De Niro e Sylvester Stallone contracenando, mas sim de acompanhar a dupla subindo num ringue, trocando socos e, acima de tudo, trazendo à tona o legado de dois personagens icônicos. O que se prometia, mais do que tudo, era uma viagem nostálgica, a realização de um encontro antes apenas sonhado entre dois gigantes. O que se viu, porém, foi bastante diferente.

Dirigido pelo medíocre Peter Segal, Ajuste de Contas terminou por se revelar, não obstante a presença de seus astros, em uma produção incapaz de gerar qualquer sentimento no espectador, inclusive o de nostalgia. E o grande problema parece ser exatamente a indecisão do cineasta sobre que filme pretende realizar: em determinados momentos, Segal (e seus roteiristas Tim Kelleher e Rodney Rothman) parecem querer reverenciar o passado dos protagonistas ao inserir pequenas homenagens a La Motta e Rocky; em outros, apostam de vez na comédia escrachada; e, por fim, há aqueles em que tentam construir um drama para os personagens. No entanto, ao soltarem golpes para todos os lados, os realizadores se perdem completamente, entregando um monstro de sete cabeças, um filme que não sabe o que quer ser e que falha em praticamente tudo o que tenta.

Primeiramente, a comédia. Anunciado como tal, fantasiado como tal, vestido como tal, Ajuste de Contas surpreende pela falta de risadas. Não que não tente; pelo contrário. O roteiro trabalha com um sem-número de piadas, que surgem, especialmente na primeira metade, a cada poucos segundos, tanto em termos de diálogos quanto em gags visuais. O que ocorre é que a imensa maioria delas é pouco inspirada, gerando nada mais do que um esgar de constrangimento no rosto do espectador: para cada ideia bacana como a de Stallone sendo proibido de socar os pedaços de carne (em uma homenagem clara à Rocky), há cenas embaraçosas como a do pulo de paraquedas, a do hino cantado pelos astros ou qualquer uma que traga Kevin Hart, que interpreta o empresário dos protagonistas, abrindo a boca.

A causa para os problemas relacionados ao timing cômico do filme, porém, não podem nem ser creditada unicamente a Segal e sua dupla de roteiristas. Sim, eles acreditam que piadas com as letras BJ são engraçadas, explorando idiotices como essa até a exaustão, mas muito da falta de graça de Ajuste de Contas se deve ao seu elenco. Por mais surpreendente que possa parecer, o mais deslocado entre todos é o consagrado Robert De Niro, que jamais parece se encaixar no personagem. A persona carrancuda e de poucas palavras que o ator construiu ao longo dos anos conflitua com a ostentação e o lado mulherengo do papel, fazendo com que Kid jamais se torne alguém crível à plateia. Da mesma forma, se Sylvester Stallone ainda é capaz de convencer como um veterano boxeador, De Niro passa a impressão de que seria destruído no ringue a qualquer momento pelo adversário. Chega a ser uma heresia afirmar que ter Robert De Niro no elenco é um problema, mas o fato é que o veterano ator realmente não parece ter sido a melhor escolha para interpretar o boxeador.

Em contrapartida, Stallone tira de letra o seu personagem, com a naturalidade de quem interpreta o mesmo tipo há décadas. Mais sério do que Kid, Razor Sharp (que nomezinho que inventaram, hein?) não exige tanto esforço cômico do ator, o que acaba funcionando melhor para Stallone, uma vez que gerar risadas também não é o seu forte. Consequentemente, o astro consegue construir um personagem mais verdadeiro a partir do pouco que o roteiro oferece. A melhor cena do filme – ou, ao menos, aquela que chega mais perto de traduzir um sentimento genuíno – é protagonizada exatamente por Stallone, quando seu personagem desabafa para Kim Basinger, de forma sincera, sobre como perdeu as duas únicas coisas que já amou na vida: ela própria e o boxe.

Se a dupla principal mostra irregularidade, o restante do elenco não faz diferente. O já citado Kevin Hart – uma espécie de Chris Tucker verticalmente reduzido – consegue a proeza de soar irritante em todas as cenas, assim como o garotinho que interpreta o neto de De Niro, capaz de arruinar cada momento em que aparece. Por outro lado, Alan Arkin se mostra bastante à vontade no papel e é dele que saem as únicas poucas risadas de Ajuste de Contas, ao mesmo em que Jon Bernthal se sobressai pela sobriedade em um filme em um filme de tentativas e excessos frustradas. Já Kim Basinger pouco tem a fazer, pois seu papel, na verdade, é mais decorativo do que propriamente real – e a atriz, ainda bela aos 60 anos, funciona bem como decoração.

O fato é que Ajuste de Contas não oferece muito para seus atores brilharem. Se as piadas são fracas, a construção dos personagens e a estruturação da trama são ainda piores. Todas as pessoas em tela não passam de conveniências de roteiro, jamais convencendo como seres de carne e osso: não apenas são rasos, mas também mudam de ideia em poucos segundos quando exigido, sem qualquer motivação para isso. Além disso, o filme traz uma estrutura óbvia, previsível, tal qual uma comédia romântica: não querem lutar, marcam a luta, luta cancelada e luta acontecendo de novo para o final triunfal. Em meio a tudo isso, conflitos rasos e bobos são jogados em tela, como a relação pai/filho entre De Niro e Bernthal e o romance entre Stallone e Basinger, mas a esterilidade da forma como são tratados fazem com que nenhum deles seja capaz de gerar uma aproximação entre plateia e personagens – sem contar o fato de que tudo acaba sendo resolvido facilmente (ou milagrosamente) em duas linhas de diálogos.

Apelando ainda para soluções clichês como a da montagem que traz os dois lutadores se preparando, Peter Segal faz de Ajuste de Contas um filme tomado por ideias batidas e que jamais consegue encontrar o tom certo – o final, por exemplo, busca emocionar, mas nada havia sido construído para justificar isso até então. O momento mais divertido surge nos créditos finais, com uma aparição surpresa de dois astros do esporte. De resto, não há verossimilhança. É tudo feito de plástico, vazio, como se simplesmente a presença de Stallone e De Niro em um ringue fosse suficiente para agradar. Não é. Consequentemente, até mesmo a cena do embate entre os dois, que não deixa de ser o grande apelo do filme, termina por soar patética, como se fossem dois velhinhos brigando de maneira desengonçada e sem motivo.

Ajuste de Contas, ao final, é um filme que sobe ao ringue da mesma forma que seus dois protagonistas: desajeitado, perdido e sem saber direito o que está fazendo ali. Uma produção que consegue errar todos os jabs e cruzados desferidos, acabando por nocautear, única e exclusivamente, a si mesmo.

Comentários (13)

Felipe Cruz Figueiredo | terça-feira, 21 de Janeiro de 2014 - 14:43

Vi o filme e realmente não e um primor, mas chamo atenção para a critica do Silvio Pilau e considero que não e de longe a pessoa apropriada a comentar qualquer filme que se fale de ação, pois e explicito em todos os seus comentários e notas que não gosta do gênero, logo tendencia seus comentários, e a pesar do filme ser uma \"comédia\" ha de ser respeitado pelo simples fato de reunir 3 grandes estrelas das telas de cinema.

Ravel Macedo | terça-feira, 21 de Janeiro de 2014 - 15:36

e disse que o personagem do Hart é irritante, sim dentro da historia, mas pra quem ta assistindo é engraçado mesmo!

Daniel Borges | sexta-feira, 20 de Março de 2015 - 09:28

Finalmente assisti e realmente essa nota 4.0 me pareceu exagerada.
É sim uma boa diversão, apesar dos contras...

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