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Críticas

Cineplayers

Indo bravamente onde nenhum filme de ação/aventura foi neste ano.

8,0

Logo na primeira cena de Além da Escuridão – Star Trek (Into Darkness – Star Trek, 2013), a plateia encontra o protagonista James Kirk, interpretado por Chris Pine, correndo em meio a uma floresta tentando fugir desesperadamente de um grupo de nativos. Após conseguir certa distância de seus perseguidores, Kirk pula na água e chega, finalmente, à sua nave, que decola salvando-o do perigo.

Como no Cinema nada é feito por acaso, é quase impossível não associar essa cena inicial com a clássica sequência de abertura de Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981), na qual Indiana Jones passa por uma situação semelhante em uma floresta sul-americana. Talvez seja coincidência, porém, sabendo que o diretor J.J. Abrams é admirador confesso de Steven Spielberg, fica clara a homenagem a um dos maiores clássicos do cinema de aventura. Na verdade, ao prestar essa homenagem ao seu ídolo, Abrams deixa claro desde o início aquilo que pretende com seu filme: entregar uma grande aventura aos moldes de Indiana Jones, com personagens carismáticos, cenas de ação empolgantes e muita diversão para o público.

Pois J.J. Abrams pode dormir tranquilo. Além da Escuridão – Star Trek não somente cumpre o objetivo, superando o já competente trabalho anterior, como também pode, sem qualquer exagero, ser considerado um sério candidato a melhor filme de ação do ano. Escrito por Damon Lindelof, Roberto Orci e Alex Kurtzman, a obra se aproveita de toda a exposição realizada em Star Trek (Star Trek, 2009) e parte do princípio de que o espectador já conhece aqueles personagens. Assim, o roteiro dá a Abrams a oportunidade de evitar digressões e fugir de um início mais lento para partir diretamente para a história propriamente dita, garantindo ao filme uma maior dinamicidade desde os seus primeiros minutos.

E poucos cineastas atuais sabem construir tão bem um filme de puro entretenimento quanto J.J. Abrams. Consciente da necessidade de equilibrar o espetáculo de efeitos especiais com o desenvolvimento dos personagens (algo que provavelmente aprendeu assistindo aos filmes de Spielberg), o diretor é preciso e pontual na construção de sua narrativa, costurando as cenas grandiosas com momentos mais íntimos que realmente geram empatia entre a plateia e a tripulação da Enterprise. Auxiliado por piadas e momentos de humor que funcionam de verdade (“Você? Feliz?”), Além da Escuridão – Star Trek é bastante eficiente na criação de uma atmosfera de camaradagem entre Kirk, Spock, McCoy e o resto da equipe, estabelecendo a relação entre os personagens como o grande lastro da história. Em determinado momento, por exemplo, o grande vilão do filme diz a Kirk: “Minha tripulação é minha família. Você entende isso?” A plateia sabe, sem precisar ouvir a resposta do protagonista, que ele entende.

Assim, Abrams e seus roteiristas garantem ao filme aquilo que é essencial em uma produção do gênero: a criação de um laço emocional entre os personagens e o espectador, algo cada vez mais raro em produções multimilionárias. Além da Escuridão – Star Trek consegue transparecer o aspecto humano de sua história. O resultado disso é que as cenas de ação deixam de ser apenas explosões e efeitos especiais, tornando-se momentos de tensão para a plateia, que se preocupa com o destino daqueles personagens. E o cineasta sabe utilizar isso a seu favor, elaborando cuidadosamente sequências que mexem com os nervos da plateia. É interessante analisar, por exemplo, a cena que traz Kirk e John Harrison pulando de uma nave para outra. Abrams não se apressa para a ação propriamente dita e constrói também o momento pré-salto, garantindo a tensão ainda antes de os dois personagens partirem para o espaço. Dessa forma, quando o salto realmente acontece, o espectador já está fisgado e sentado na ponta da cadeira.

Além disso, Além da Escuridão – Star Trek também acerta ao reconhecer que, para deixar a plateia no limite, também é preciso oferecer uma real ameaça aos mocinhos, elemento básico de uma produção do gênero. Entra aí o antagonista interpretado de forma impecável por Benedict Cumberbatch. John Harrison já nasce como um dos grandes vilões dos últimos tempos: mais inteligente, mais rápido e mais forte que a tripulação da Enterprise, o personagem realmente consegue transmitir uma sensação de perigo, levando o espectador a duvidar de verdade se Kirk e Spock serão capazes de superá-lo. Claro que, no fundo, todos sabem que os mocinhos sairão vitoriosos, mas o que faz a diferença é sentir que isso pode não acontecer.

E, nesse sentido, a atuação de Cumberbatch é irrepreensível. Ao mesmo tempo em que soa incrivelmente ameaçador, com uma forma de falar e uma postura que transmitem superioridade e desdém, o ator (que ganhou destaque ao encarnar a versão moderna do detetive mais famoso do mundo na série britânica Sherlock Holmes) ainda consegue encontrar no personagem uma motivação que justifique suas ações. Cumberbatch possui um belíssimo monólogo, que se encerra em lágrimas, sobre seus antigos companheiros, escapando da armadilha das superproduções de aparecer apenas como o inimigo a ser morto pelos heróis. Vale dizer ainda que ele não está sozinho nesse time: as atuações de Além da Escuridão – Star Trek são todas eficientes, com os atores encontrando em tela uma química e uma verdade que supera a possível artificialidade de uma produção desse tamanho. Chris Pine e Zachary Quinto, por sinal, que conseguiram de forma louvável criar uma dinâmica própria para a relação entre Kirk e Spock, compartilham um momento de pura emoção na “despedida” de um deles através de uma porta de vidro.

Como se não bastasse, o roteiro de Lindelof, Orci e Kurtzman ainda ousa ao realizar comentários sobre a época atual em nosso planeta – algo que, aliás, a série original sempre fez. O enredo de Além da Escuridão – Star Trek faz menções sutis a questões maiores, como o terrorismo ou a justificativa de entrar em guerra com outro país apenas para caçar um homem (América, alguém?). Porém, mais uma vez conscientes do tipo de filme que estão fazendo, os roteiristas e Abrams não permitem que esses comentários se tornem o centro da narrativa, deixando-os à margem da história. Talvez possa ser dito que os realizadores abordaram uma questão séria de forma superficial e sem a devida reflexão, mas é preciso ter em mente que, em sua essência, Além da Escuridão – Star Trek nada mais é do que um “filme-pipoca” e, nesse sentido, simplesmente trazer à tona conceitos como esse já o coloca anos-luz à frente da maior parte do que se faz no gênero.

Imprimindo um ritmo eletrizante à sua narrativa, que em momento algum cansa o espectador, J.J. Abrams ainda constroi algumas das grandes cenas de ação dos últimos tempos. Ainda que, vez por outra, o cineasta ceda ao espetáculo por si só, com uma montagem desnecessariamente epiléptica e alguns planos confusos, na maior parte do tempo as sequências movimentadas de Além da Escuridão – Star Trek são realmente empolgantes, como o já citado pulo entre as naves, o momento em que a Enterprise perde a gravidade ou até mesmo o duelo entre Spock e o vilão sobre um carro voador, no qual Abrams aplica de forma eficaz diversos planos aéreos. Da mesma forma, o diretor ainda se revela um perfeito discípulo de Spielberg ao saber exatamente quando utilizar a ótima trilha de Michael Giacchino para ressaltar o tom grandioso de seu filme, escolhendo momentos pontuais para aumentá-la como em grandes aventuras já vistas no cinema.

Embora tenha seus deslizes, como alguns momentos de trama bastante apressados ou o irritante sotaque russo do personagem de Anton Yelchin, Além da Escuridão – Star Trek é um representante de alto nível do cinema comercial norte-americano. Há emoção, há tensão, há risadas e há, acima de tudo, uma sensação de querer passar novas aventuras com a tripulação.

Hoje, se aventura tem um nome, ela não é mais Indiana Jones. É Enterprise.

Comentários (18)

Daniel Mendes | sexta-feira, 28 de Junho de 2013 - 02:15

isto sim que é critica. tenho a mesma opinião.
"Só pelo fato de ser a mesma opinião? rs" 2
Depois do que agente está vendo aqui é bom desconfiar. Para mim pelo menos é bastante proveitoso quando uma crítica ressalta qualidades e defeitos que eu ainda não tinha percebido.

Ma Rodrigues Barbosa | segunda-feira, 29 de Julho de 2013 - 15:39

Deveria ser top 1000,não 200,pois há muitos filmes excelentes.

Vanildo Cazelli Junior | sábado, 24 de Agosto de 2013 - 16:36

Ótima ação, mas a cena da "despedida" entre Kirk e Spock é muito melodramática e não convence.

Luiz F. Vila Nova | segunda-feira, 06 de Abril de 2020 - 18:36

Na minha opinião esse é o melhor filme de Star Trek lançado para o cinema até hoje. Não é perfeito, tem alguns furos de roteiro e lógica, porém é um entretenimento de alto nível, que respeita os fãs e atualiza a trama de maneira fenomenal.

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