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Alice nas Cidades

(Alice in den Städten, 1974)
8,3
Média
128 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A busca por um registro do mundo que se esvai.

10,0

Talvez seja essa a função do cineasta. A de captar um momento importante para ele, e ter em mãos a chance de ter esse momento eternizado em algo material, palpável, não apenas no abstrato da memória. Para Wim Wenders, há sempre um momento a ser registrado, um lugar a se procurar, uma jornada que justifique a eterna sensação do homem de estar perdendo algo importante, ou parte de si. Em Alice nas Cidades (Alice in den Städten, 1974), um de seus primeiros longas-metragens e talvez primeira obra-prima, Wenders passeia por cenários urbanos e estradas vazias, como viria a fazer muito em trabalhos posteriores, iniciando sua jornada como um cineasta sempre em movimento, captando momentos corriqueiros, imagens soltas que sejam o suficiente para se desdobrarem em histórias – tentar, de alguma forma, se enraizar e pertencer à algum lugar ou situação, mesmo que deslocado.

Phil Winter (Rüdiger Vogler), o fotógrafo que busca formar alguma história, só consegue clicar paisagens diversas, captar no mundo real algum momento que, uma vez transformado em imagem, se transmute em uma nova realidade, uma ficção, um novo universo, totalmente diferente da paisagem da qual foi retirado. Alice, a menina que foi abandonada pela mãe aos cuidados dele, vai de encontro à sua forma de vida, por desejar apenas um lugar para ficar, um lugar que abrigue seu coração partido, onde possa se sentir segura novamente em um mundo que agora é grande demais sem a proteção materna. Ambos não pertencem a nada nem a ninguém, e enquanto Phil se conforma na condição de transeunte mundano, Alice aos poucos se torna a ficção, a história que ele tanto procurou enxergar em suas fotografias aleatórias, mesmo que o próprio não se dê conta disso.

Como sempre no cinema de Wenders, há um personagem em busca de seu destino, mas o que interessa ao cineasta não é a linha de chegada, e sim a jornada que ele percorre até lá. Como Paris, Texas (idem, 1984), em que o lugar-título está sempre no ar, a alegórica redenção de todos os personagens, mas que jamais é alcançado pela câmera de Wenders. Ele apenas é mencionado, e isso é o suficiente para uma tremenda força invisível mova toda a trama em torno de si. Da mesma forma, a busca de Phil e Alice por diversas cidades, atrás da mãe ou da avó da menina, jamais é o suficiente para que qualquer um dos dois consiga encontrar seu lugar no mundo. A falta do pertencer é o sentimento que move não somente os personagens, como o próprio cineasta, que tanto vagou a esmo e angustiado por sua devastada Alemanha pós-guerra.

Para Phil, as fotos nunca mostram de fato o que se viu, e por isso elas ganham uma representação tão forte no filme, principalmente na bela imagem em que o reflexo de Alice se funde na foto que a menina tirou dele, quando ambos entram em sintonia dentro de suas realidades e passam a ser um só – quando a realidade do extracampo, do “fora da foto”, adentra no universo ficcional enquadrado na polaróide. Por fim, essa ideia se quebra quando Alice, depois de tanto buscar pela casa da avó pelas muitas cidades (a ponto de acharmos, junto com Phil, que o lugar não passa de invenção da garota), finalmente a acha com a ajuda de uma antiga fotografia encontrada em sua carteira. Trata-se de um dos momentos mais belos e poéticos do cinema, quando a realidade se materializa junto com a ficção, e as casas se mostram idênticas em foto e paisagem física. Finalmente a dupla, Wenders e nós encontramos um lugar onde seja possível ser identificado como um lar, um destino, uma verdade, um mundo efêmero que sentimos escorrer pelos dedos, mas que estará sempre ali eternizado e registrado por todos – uma sensação incomparável e tocante como poucas no cinema.

Comentários (12)

Caio Santos | quinta-feira, 03 de Abril de 2014 - 12:40

O filme da minha vida

Caio Santos | quinta-feira, 03 de Abril de 2014 - 12:48

esse ultimo paragrafo *-* tudo que eu sempre quis dizer sobre o filme e nunca encontrei as palavras certas, perfeito Heitor!

Patrick Corrêa | quinta-feira, 03 de Abril de 2014 - 21:48

Crítica linda demais!
Heitor sempre justificando o fato de ser um dos meus críticos preferidos.

🙂

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