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Alien, O Oitavo Passageiro

(Alien, 1979)
8,1
Média
829 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Enfrentando o desconhecido.

8,0

Alienígena. Estranho. Fora da nossa compreensão. No horror sci-fi, o posto de renome que Alien ocupa pode-se explicar por todo o conceito que é proposto ao espectador. O nome, simples e sucinto, já evoca uma atmosera que o diretor Ridley Scott e o artista plástico H. R. Giger traduziram do roteiro de Dan O' Bannon, que atualizou seu roteiro da comédia Dark Star com elementos de suspense, drama e horror, apresentando um coral de personagens que, assim como no filme de Carpenter, tem diferentes formas de encarar a rotina solitária e alienante a bordo de uma nave comercial que reboca uma refinaria e minério de volta para a Terra.

Como também acontecia em Dark Star, a rotina é perturbada pela inclusão de um ser diferente de tudo o que os astronautas já viram. Mas longe do caráter anárquico, a aposta é no ritmo lento, introspectivo, que pouco a pouco fecha o cerco ao redor de seus personagens. O alienígena é o caçador perfeito em sua forma escura, estranha e perturbadora e a tripulação da nave, quase em toda a sua totalidade despreparada para lidar com a ferocidade sem freios da criatura.

Com grande influência do terror científico dos anos cinquenta e na atmosfera do escritor americano H. P. Lovecraft, que mexeu com a cabeça de gerações de apaixonados por literatura cult com seus contos que imaginavam criaturas esquecidas, com formas tão diferentes do que a espécie humana costumou a ver que a mera contemplação já era uma ameaça à sanidade. No novo contexto dos anos setenta, o horror já abandonava a ameaça sobrenatural e entrava no terreno físico; ele destruía comunidades, virava um indivíduo contra o outro, não tornava nenhum espaço seguro – aqui, no caso, ele sai do seu ambiente de origem para o ambiente tecnológico, feito por mãos humanas.
 
E esse horror físico de Ridley Scott perturbou gerações com essa invasão. A concepção visual do Alien – seu tronco humano, seu crânio fálico – parte do desejo explicitado em entrevistas do roteirista de inserir na obra leituras sexuais grotescas sobre o a reprodução não-consensual do Alien, invadindo o tripulante Kane via oral e se desenvolvendo de forma parasitária, alcançando seu estágio final de desenvolvimento em um “parto” violento, que rasga o peito de Kane  no meio e passa a assassinar o resto da tripulação, empalando suas vítimas com suas armas naturais. O'Bannon disse ter intentado provocar a indústria geral de terror, onde a figura feminina frágil era perseguida por monstros que queriam subjugá-las.

Como contraponto a isso, temos a protagonista, a subtenente Ellen Ripley, com personalidade decidida e tenaz que zela pela segurança da nave, não tem medo de enfrentar seus companheiros e superiores e dona de um raciocínio rápido de sobrevivente. Em síntese, Ripley é o indivíduo humano capaz de planejar e adaptar-se, enquanto o resto torna-se presa fácil pouco capaz de resistir ao instinto irrefreável da criatura.

São as contrapartes de um filme de perseguição setentista, onde o corpo é o campo de batalha e vítima, onde civilização e tecnologia são corrupções e ideais – os personagens são inseridos naquela situação por causa dela, mas tentam voltar a ela. Um sinal do típico niilismo de uma geração amante da liberdade individual, que via a castração e repressão de forças maiores como ameaça constante e era confusa quanto ao seu papel no mundo e tentava, de forma desesperada, liberta-se dos grilhões, das falhas que questionaram, com um grande ponto de interrogação à frente.

Na luta entre dois indivíduos que disputam aptidão e por consequência o direito de permanecer vivo, os tons de suspense  passam a predominar; a caracterização daquele universo e o seu funcionamento, os temas críticos sociopolíticos, as dificuldades de se viver em comunidade, logo tudo passa a pouco importar quando a questão vira sobrevivência individual. O tempo, antes dilatado e letárgico, passa a se tornar cada vez mais curto, e os planos descritivos passam a se tornar cada vez mais próximos e íntimos; o ambiente que conhecemos logo se torna um labirinto escuro, e o desenho reto, claro e limpo logo toma os traços de Giger – um pesadelo biomecânico de curvas deformadas e incômodas, onde dobrar a esquina torna-se uma ameaça.

Com o horror  redefinido por nomes de estúdio europeus e independentes americanos, Ridley Scott teve a liberdade de precisar narrar menos e poder investir mais no ato físico, puro e simples. Seu clímax é basicamente um único ato dramático, na mesma faixa temporal, uma set piece orquestrada de iluminação e sombra, com ruídos no lugar de diálogos, com  cortes a ritmos lentos e calculados. Momentos como esse consagraram a fase inicial da carreira de Ridley Scott como um realizador e figura de destaque na grande indústria, mas com a herança contestadora, a revolta temática e o formalismo de horror e suspense muito mais fiel à atmosfera, tempo e espaço do que a representação e narração.

Nas sequências, quase como em uma cartilha, teríamos tal paradigma de predação, parasitismo e confronto entre espécies, cada um ao gosto dos cineastas que sucederam Scott. Este primeiro impacto adquiriu um caráter já mitológico entre seus apreciadores, com a desconhecida criatura sendo expandida em jogos de videogame, histórias em quadrinhos, livros e outras mídias, com seu universo sendo descrito minuciosamente com o passar dos anos. O medo do que não se compreende, da ameaça violadora e do embate pela sobrevivência ainda resiste e gera interesse.

Comentários (8)

Daniel Oliveira Neves | segunda-feira, 02 de Março de 2015 - 10:11

Acho interessante, o primeiro é um ótimo filme de terror/suspense e o segundo (Aliens) é um ótimo filme de ação.

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 02 de Março de 2015 - 13:26

Parabéns, Brum. Não sei se eu ando assim tão distraído, mas parece que fazia tempo que não via um texto seu por aqui. E que texto!!! Acho este filme uma obra quase perfeita. Sou fã de Scott.

Alexandre Carlos Aguiar | sexta-feira, 06 de Março de 2015 - 07:45

Curioso é que quando estes filmes são lançados no circuito comercial são olhados de lado pela "crítica especializada". Blockbuster, filmezinho pra Sessão da Tarde, sci-fi desprezível, e assim surgem os adjetivos. Não se dá o valor devido no momento, apenas se espera envelhecer como um bom malte escocês. E aí, quando menos se espera, vira cult.

Yuri Mariano | quinta-feira, 19 de Março de 2015 - 00:19

Ridley Scott é o oposto do vinho. Quanto mais velho pior!

Vide os clássicos filmados antigamente(Alien-1979,Blade Runner-1982, Gladiador-2000), e as últimas bombas lançadas(Prometheus-2012, Exodos: Gods and Kings-2014).

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