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Críticas

Cineplayers

O outro lado da lua.

9,0

O acaso custou muito a Richard Harland. Um encontro num trem é o prelúdio de uma relação amorosa, demarcada pela singularidade de uma mulher complexa e um galanteador que enxerga no anelar da moça um destacado anel de noivado. Ele, Richard Harland, mostra-se interessado, mas reprimido. Ela, Ellen Berent, fascinada pelo semblante do estranho que lhe evoca recordações, o seduz, abandona seu noivo e repentinamente casa-se com o até então estranho. O entusiasmo afoito originado dessa paixão abrupta nos direciona para um comportamento psicológico misterioso da bela e enigmática mulher. A saliência da trama, escrita por Jo Swerling, a partir do romance de Ben Ames Williams, está no indefinido. O acaso deixa de existir.

Obra-prima de John M. Stahl, Amar Foi Minha Ruína apropria-se do noir ainda que abandone características essenciais do gênero. Aqui há luz demais com contornos de sombras, há closes e uma trilha vigorosa composta por Alfred Newman. As principais cenas ocorrem nos interiores de belas casas, entre elas uma casa de veraneio no Maine, junto a um lago e sobre a sombra de pinheiros. Esse local guarda a cena mais marcante dentro de seus quase 120 minutos. Longe de becos escuros, esse noir readequado e estilizado em Technicolor transparece personalidades contraditórias.

Richard é um romancista que se isola em pensamentos para escrever um novo livro. Atenta ao seu comportamento está Ellen, que se porta com um ciúme destrutivo por tudo e por todos – a própria família que lhe rejeita; o livro do marido que demanda tempo; o jovem irmão deficiente de Richard; e a súbita gravidez que lhe rouba a atenção. A narrativa se ajusta à concepção dessa personagem, em sua mutação comportamental por influências externas, reproduzindo um comportamento que seus familiares já haviam percebido. Um delírio edípico se manifesta em temas ao longo da narração. Perceba, ninguém desafia Ellen. Em determinado instante, durante um nado amistoso, alguém, com uma voz ressentida e temente, afirma: Ellen nunca perde. Eis um objeto de estudo dos mais elegantes a um psicanalista.

A femme fatale dessa obra tem no seu caráter duvidoso toda sua profundidade. Nós sabemos quem ela é, os personagens não. Não há o que nos surpreenda, o que mantém-se é a expectativa das reações frente as ações, o que culmina em nossa dedicada atenção aguardando pelo fim da facínora. O roteiro é bem planejado nesse sentido, reconhece que o ser humano deleita-se quando frente à punição de quem erra. Assim permanece até o fim.

A cena inicial não apresenta Ellen. Vemos Richard chegar num barco sob olhares clementes e abordado com comentários sobre seu passado e sobre o ciúme ser o pecado capital mais perigoso. Um advogado, então, conta toda a história que vemos em cena.

Gene Tierney, que vive Ellen, é um demônio de olhos claros que planeja cada ação. Ela assombra similarmente como havia assombrado em Laura (idem, 1944). Sua doçura inspira, sua confiança assoberba. A cena do lago, já mencionada, transmite toda sua lucidez doentia, seu olhar coberto por um óculos escuro lhe que acoberta omitindo seu desvario silencioso. Resplandecendo beleza e influência como a lua, omite o que lhe há por trás, num símbolo intencional do nome do local onde Richard residia: o outro lado da lua.

Grandes atores se envolvem nessa belíssima obra. Além de Gene Tierney, Cornel Wilde e Jeanne Crain somam-se ao elenco. E tem mais, ainda conta com uma performance efusiva do brilhante Vincent Price vivendo um político e advogado detrator. Uma das cenas finais, com a presença de Price, acentua as intenções do roteiro e tenciona a perspectiva de John M. Stahl, diretor que geralmente coloca suas personagens femininas à frente. Aqui, em suma, a femme está protuberante, em foco e em destaque.

O amor em demasia fora insuportável.

Comentários (3)

Adriano Augusto dos Santos | quinta-feira, 27 de Agosto de 2015 - 10:55

Um especie de noir colorido.De intensidade,com bastante perfídia. Gosto muito.

Laís P. | quinta-feira, 27 de Agosto de 2015 - 16:59

Adooooro esse filme!

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