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Críticas

Cineplayers

Mississippi, I'll remember you.

7,0

Amor Bandido (Mud, 2012), terceiro longa do novo queridinho da crítica (em especial a francesa), Jeff Nichols, nasce a partir de uma influência muito clara da obra mais famosa do escritor Mark Twain, principalmente pelo personagem principal, o menino Ellis (Ty Sheridan), um moderno Huckleberry Finn, e suas aventuras pelo rio Mississipi. Em um desses passeios, ele e seu amigo acabam se deparando com uma ilha secreta, onde se esconde Mud (Matthew McConaughey), um fugitivo da polícia que pede a ajuda deles para escapar junto de sua namorada, Juniper (Reese Witherspoon). A princípio receoso diante de uma figura tão misteriosa, Ellis acaba por se deixar envolver pelos conflitos de Mud, principalmente quando suas vidas começam a apresentar mais pontos em comum do que jamais imaginaria.

Outra influência literária que caberia de ser citada aqui é Grandes Esperanças, de Charles Dickens, em especial pelo começo do livro, em que o personagem principal também se depara com um desconhecido que o assusta na mesma medida que o fascina. A redenção de Ellis e Pip também parece ser a mesma. Mas independente dessas influências, Amor Bandido se vale principalmente de seus inúmeros símbolos, que de tão numerosos acabam por se encarregar de cada singular personagem, cenário ou situação durante a trama. Jeff Nichols é um cineasta sensível e diferenciado de seus contemporâneos, mas ainda se enrosca nos detalhes. Diferente de um filme detalhista, Mud é na verdade uma obra detalhada de possibilidades que, por mais contraditório que pareça, mais estreitam do que ampliam os horizontes do diretor.

A princípio temos a mais óbvia de todas as simbologias: o rio Mississipi, um lugar ainda selvagem, indomável, imprevisível, que pode se enveredar tanto para um tumultuoso abismo sem fim como para um trecho de sossego e beleza natural. Aqui os sonhos ainda se permitem, ainda se valem, ainda nascem e morrem com a ferocidade de um desejo jovem, e por isso Ellis se relaciona tão facilmente com ele. Mud, por outro lado, precisa de um barco que se encontra enroscado em uma árvore para poder concretizar seus planos de fuga com a namorada, que por sua vez se mostra indecisa e hesitante. Ellis aposta no final feliz de Mud com Juniper como uma forma de garantir a esperança no amor, agora que está apaixonado e se sente inseguro ao ver que o sentimento de seus pais chegou ao fim. Seus conflitos são de ordem espiritual, pois todas as possibilidades parecem só se concretizarem de fato em seu interior e nas suas intenções e desejos, de modo que projeta nas pessoas ao seu redor a ansiedade de uma confirmação para os seus receios e dúvidas. Aqui se encontra a principal beleza na direção de Nichols, que consegue de alguma forma captar esses sentimentos tão abstratos que se desenvolvem aos poucos no coração do protagonista.

Sob essa ótica, Amor Bandido consegue ir além de um simples coming of age americano para alcançar resoluções mais densas sobre esse assunto das descobertas que uma criança é obrigada a encarar cedo ou tarde na vida. A projeção que os sentimentos do garoto ganha nos ambientes é sensibilíssima, e reforça o cuidado do diretor com os signos visuais da obra. A escorregada se dá, infelizmente, nesse mesmo momento, quando notamos que esse excesso de preocupação em tornar tudo tão simbólico, catártico, reflexivo, acabe por sufocar a trama e torná-la calculada demais, algo contraditório em um filme que se propõe a se deixar guiar unicamente pelos sentidos e pela abstração de sentimentos complexos. Chega um momento em que as tramas periféricas ganham tanta atenção que o foco se dissipa e o interesse se dispersa momentaneamente, embora se deva reconhecer o carinho do cineasta por cada um de seus personagens.

Interessante que o título original da obra seja Mud, o personagem de McConaughey, pois sua colocação no filme é puramente em função de Ellis, o verdadeiro protagonista. Os mistérios que cercam Mud, sua vida e atual situação nada mais servem do que um espelho em que Ellis enxerga as possibilidades de seu futuro. Por isso a escalação de McConaughey é estratégica, tendo em vista a curiosidade que o ator vem despertando no público ao começar a aceitar papeis fortes, e entregando desempenhos memoráveis que nada fazem lembrar seu nebuloso passado de galã de comédias românticas bobinhas. Sendo assim, sua presença física no filme gera todo um magnetismo que, de alguma forma, propulsiona a trama, mesmo quando Ellis ganha enfoque. Nessa bela história que começa como aventura infantil literária de um garoto comum descobrindo uma ilha perdida junto com seu melhor amigo, para depois se revelar um forte drama sobre a inesperada chegada da vida adulta, quem se reflete nas águas do Mississipi é o próprio espectador, que tem a chance de enxergar ali em meio à correnteza fugaz as possibilidades que já passaram e as que estão por vir nessa jornada incerta que tanto Ellis quanto nós somos obrigados a encarar vez por outra.

Comentários (12)

Alexandre Marcello de Figueiredo | quinta-feira, 15 de Maio de 2014 - 14:25

O nome do filme era para ser Ellis, o nome do garoto (Ty Sheridan) que é o verdadeiro protagonista.

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