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Críticas

Cineplayers

A afronta a valores da indústria hollywoodiana pelo bromance.

8,0

Com a série de filmes da turma de Judd Apatow, o “bromance” (ou seja, romance entre amigos) se instaurou definitivamente nos Estados Unidos. Na verdade, apenas explicitou com muita graça um processo bem mais antigo, presente em Hollywood desde o cinema narrativo clássico (Quanto Mais Quente Melhor, por exemplo) até as dramédias dos anos oitenta, como Curtindo a Vida Adoidado e Conta Comigo. Em questão, o retrato de relações afetivas muito próximas entre heterossexuais, muitas vezes não assumidas por medo de alguma coerção moral em uma sociedade extremamente machista. Ao declarar amor por seu melhor amigo em Superbad, Michael Cera apenas expressa um sentimento poucas vezes verbalizado entre homens.

Anjos da Lei 2, continuação do filme baseado na homônima série de televisão e filho direto desse estilo de comédia, concentra sua narrativa em dois policiais fora do padrão, infiltrados na faculdade para descobrir quem trafica uma nova droga (Why Phy). Sua estrutura não difere em quase nada da obra anterior, inclusive com toda aquela ladainha dos melhores amigos se separando para depois, claro, voltarem a ficar juntos. Não faltam piadas, portanto, envolvendo os personagens em situações na universidade às quais, definitivamente, não estão acostumados, como a declamação da poesia slam de Jonah Hill ou as aulas propriamente ditas. Embora possa soar literalmente repetitivo ao evocar novamente a gag da “onda”, ainda que adicionado o elemento bad trip como uma novidade bem-vinda, acabam por desenvolver novas situações que tornam o filme único, assim como brincam com a estrutura do exemplar anterior para subverter expectativas e inserir uma reviravolta no desfecho.

Inserido numa indústria cinematográfica responsável por perpetuar valores conservadores enraizados na sociedade norte-americana, sendo patente a representação hipersexualizada das mulheres em Hollywood e os homens enquadrados como dominantes alfas, a sequência de Anjos da Lei destaca-se justamente por desconstruir papéis de gênero muito fixos na sociedade, não somente na dos Estados Unidos. O humor da obra não chega a se apoiar em uma espécie de zombaria com homossexuais, como uma leitura rápida poderia detectar. Trata-se muito mais de misturar e quebrar os supostos padrões específicos cumpridos por heterossexuais e homossexuais. Acima de tudo, desconstruir um padrão heteronormativo ao retirar dos dois policiais os estigmas reproduzidos por Hollywood. E a graça reside justamente nisso: apresentar personagens associados a certas características e atitudes em situações absolutamente inusitadas, brincando com os conceitos do próprio espectador.

Se em alguns poucos momentos as piadas de teor homoafetivo podem saturar, na maioria das vezes funcionam muito bem, especialmente nos diálogos em que os personagens discutem como um verdadeiro casal monogâmico, com ciúmes exacerbados e chiliques de relacionamento. Não bastando descontruir o brucutu habitual do gênero, a dupla Christopher Miller e Phil Lord fazem uma sátira semelhante à de Chumbo Grosso quanto aos filmes policiais sem, contudo, soar feito um pastiche do maravilhoso filme de Edgar Wright. Assim, desenvolvem um humor inteligente, subvertendo cada expectativa de gênero, como a briga vergonha-alheia entre Jonah Hill e Amber Stevens, além das várias gags envolvendo os clichês hollywoodianos como forma de comédia, seja nas explosões exageradas – a do início é especialmente marcante – ou as agitadas perseguições.

Nesses tempos onde a comédia norte-americana tem medo de tocar em qualquer assunto que possa ser levemente polêmico, Anjos da Lei 2 encara a caretice para questionar, afinal, a própria indústria de cinema dos Estados Unidos.

Comentários (4)

MARCO ANTONIO ZANLORENSI | segunda-feira, 01 de Setembro de 2014 - 18:19

Não gostei nada do primeiro, nada mesmo. Essa nota e critica obviamente me chama a atenção, poxa vida Julio Pereira, vai me fazer assistir a continuação?

Abdias Terceiro | segunda-feira, 01 de Setembro de 2014 - 20:54

Já curti o primeiro (entre outros motivos) por mostrar a grande mudança de comportamento dos adolescentes
em sete anos 2005-2012.
Creio que este será muito bom tbm. ansioso!!

Ian P. B. | domingo, 21 de Setembro de 2014 - 11:22

Gosto não se discute... Mas eu achei no caso do primeiro filme, por exemplo a cena em que abre a porta e mostra 3 adolescentes tendo relação sexual... Uma falta moral.

César Barzine | terça-feira, 30 de Maio de 2017 - 20:14

Já curti o primeiro (entre outros motivos) por mostrar a grande mudança de comportamento dos adolescentes em sete anos 2005-2012. [2]

Adoro o primeiro, mas o segundo repete EXATAMENTE a mesma fórmula do original, ou seja, é um trabalho medíocre.

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