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Críticas

Cineplayers

Annie é arrastado, em especial para o público brasileiro.

4,0

O musical Annie estreou nos palcos da Broadway na segunda metade da década de 70, angariou diversos prêmios Tony e rapidamente se tornou um marco do show business americano. Não demorou para que alguém tivesse a ideia de adaptar para o cinema a história da órfã sonhadora que vai passar uns dias na mansão de um magnata, e logo na década de 80 o consagrado diretor John Huston comandou o projeto, que foi um terrível fiasco de público e crítica. A decepção e o prejuízo dos produtores com a má recepção do filme acabaram fazendo de Annie um nome maldito para o cinema, independentemente de seu sucesso nos palcos. Mais tarde, no fim dos anos 90, Rob Marshall ousou novamente tentar adaptar a peça, sob a tutela da Disney, e o resultado foi um novo fracasso de público e crítica, embora tenha servido como passaporte para que o diretor viesse a adaptar Chicago, outra grande produção da Broadway. Agora, depois de mais de uma década, o limitado Will Gluck persiste na ideia de trazer a personagem para as telonas e o resultado é Annie (idem, 2014), outra investida falha.

Os motivos pelos quais a Annie de Will Gluck não funciona são diferentes dos motivos pelos quais as Annies anteriores também não funcionaram, e um tanto mais sérios. A princípio, a boa ideia de escalar a carismática Quvenzhané Wallis para o papel principal se revelou um tiro no pé, já que a menina aparentemente deixou sua recente indicação ao Oscar lhe subir à cabeça e compôs uma personagem irritantemente exibida, que em momento algum expressa de forma genuína a carência e singeleza exigida. Já Will Stacks, o milionário, é vivido por Jamie Foxx, que também não se enquadra no papel, enquanto Cameron Diaz inexplicavelmente é escalada para viver a carrancuda Sra. Hannigan e só paga mico quando entra em cena. Dá para entender até aqui que a intenção de Gluck foi inovar através da escalação do elenco, por escolher uma Annie negra, uma Hannigan mais jovem e bela, e um Stacks não tão negativo, mas o que não fica claro é a razão disso tudo quando os atores simplesmente se afastam tanto dos personagens originais que cedo ou tarde o filme nem parece mais baseado na peça da Broadway. Isso não chega a ser uma falha tão comprometedora, já que o público infanto-juvenil atual não conhece ou pouco conhece sobre a Annie original, mas não deixa de ser um certo descuido com a história original.

Acima disso tudo está o impasse com as músicas, e essa questão ganha um contorno ainda mais evidente para o público brasileiro, já que a distribuidora do filme no Brasil só lançou cópias dubladas. Tudo bem que o musical, por si só, não é um gênero muito popular no Brasil, e que filmes legendados geralmente espantam a criançada, mas nada disso justifica a dublagem das canções, que não passam de alterações grotescas nas letras originais. Fora isso, para quem conseguir acesso a uma cópia legendada, Annie talvez espante pela sua modernização. Quase todas as canções ganharam um remix jovial visando conquistar seu público-alvo, e essa talvez tenha sido a decisão mais corajosa e admirável de Gluck, embora nem sempre a mais sábia. No fim, acaba por conseguir modernizar Annie e sua história, torna-la atraente e identificável para a nova geração, mas ao mesmo tempo descaracteriza sua base simples e singela encontrada no conto original de Harold Gray. 

O que salva Annie do pior é a boa sintonia que Foxx e Willis estabelecem quando juntos em cena. Sozinhos não funcionam – Willis pelo over e Foxx por parecer perdido no papel –, mas quando juntos fazem o filme engrenar de vez e abraçar esse colorido e dançante universo musical. Por si só, essa sintonia consegue driblar os problemas e carregar o filme até o fim sem muita dificuldade, até porque Willis e Foxx contracenam bastante no decorrer da história, mas em questão de relevância, Annie se junta às demais adaptações da peça para o cinema e só faz desestimular qualquer interesse pela história original.

Comentários (1)

Ricardo Amaral Guedes | sábado, 21 de Fevereiro de 2015 - 11:28

"Quvenzhané Wallis para o papel principal se revelou um tiro no pé, já que a menina aparentemente deixou sua recente indicação ao Oscar lhe subir à cabeça e compôs uma personagem irritantemente exibida, que em momento algum expressa de forma genuína a carência e singeleza exigida."

Percebi isso desde o trailer. Essa fedelha me irrita desde aquele insuportável Indomável Sonhadora.

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