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Críticas

Cineplayers

(500) Dias com Ela - Parte 2?

5,5
Surgido dos videoclipes, onde dirigiu para dezenas de artistas como Santana, 3 Doors Down, Maroon 5 e Green Day, Marc Webb surgiu para o mundo como diretor de cinema com o hit (500) Dias com Ela, que lucrou quase dez o orçamento original ao enfocar a história do relacionamento com a personagem Summer Flinn através do ponto de vista do protagonista Tom Hansen, em roteiro semi autobiográfico de Scott Neustadter, que depois adaptaria o sucesso literário A Culpa é das Estrela. Marc Webb partiria, então, para dirigir os dois filmes O Espetacular Homem Aranha, onde Andrew Garfield sucedeu Tobey Maguire como o herói aracnídeo.

Apenas Um Garoto em Nova York é o retorno de Webb ao terreno das comédias dramáticas (ou dramédias) a partir de roteiro de Allan Loeb (Quebrando a Banca, Esposa de Mentirinha) e com produção da Amazon Studios, que está investindo pesado na competição com a Netflix e a Hulu na produção de conteúdo original, já conseguindo um Oscar de melhor ator esse ano por Manchester à Beira-Mar

O filme segue a história de Thomas Webb, jovem sem graça e sem estímulos que, após ser rejeitado pela atual namorada e descobrir que o pai está traindo a mãe, passa a se envolver com Johanna, uma amante. Morando em um bairro humilde, recebe conselhos de W.F. Gerald, seu vizinho de prédio, sempre com verdades duras e comentários sarcásticos a oferecer. 

Acima de tudo, Apenas Um Garoto em Nova York é um filme que respira zona de conforto na tentativa de reproduzir de novo um impacto já sentido anos atrás. A única diferença determinante é que há um estilo nitidamente diferente entre os roteiristas - em (500) Dias com Ela, Neustadter brincava com diferentes técnicas e estilo de narrativa (como a cena musical e a tela dividida de expectativa versus realidade), enquanto Loeb é apenas correto em sua abordagem de narrativa, mas carregado com uma estima por reviravoltas dramáticas de roteiro, amarrando de alguma forma todos os personagens - mesmo os que apareceram pouco durante a trama no geral, como acontecem com os pais de Thomas, interpretados por Cynthia Nixon e Pierce Brosnan.

Mas pelo lado de Marc Webb, não saímos muito do mesmo lugar. Há elementos que esperaríamos de sua filmografia - como o início, com voz em off de Jeff Bridges, que apresenta o filme por meio de ilustrações, e a montagem videoclipada do casamento de amigos, que é o primeiro ponto de virada da trama. Isso para não dizer de insistentes chavões do cinema indie. A trilha-sonora intrusiva quase como uma versão cool do melodrama básico, o estilo algo Woody Allen de personagens desajeitados desabafando suas angústias em planos de longa duração, as inúmeras referências a livros e artistas… Está tudo aqui, incluindo o travelling lateral que acompanha o ator correndo em perfil à lá Manhattan, que já havíamos visto em Frances Ha.

Se há pontos positivos, podemos dizer aqui que Webb melhorou muito na direção de atores; a postura deliberadamente displicente e artificial dos seus atores em (500) Dias com Ela aqui dá lugar a um drama por muitas vezes tridimensional. Como protagonista, Callum Turner de início não consegue fazer muito diferente de Joseph Gordon-Levitt no filme anterior, mas à medida que seu personagem tem que encarar situações-limite mostra-se competente quando tem que interpretar o medo, a vacilação e a raiva sentida por seu personagem. Kate Beckinsale é bastante beneficiada por seus diálogos, mas só consegue fazer jus a seus pares em sua última cena importante no filme; apesar de aparecer menos, Cynthia Nixon consegue parecer uma personagem muito mais rica e cheia de cores que a colega de elenco. Ainda assim, todo o filme é permeado por diálogos pouco realistas, ora “espertos” demais ora genéricos demais, pouco fazendo para escapar do óbvio.

Jeff Bridges, bem, é Jeff Bridges. O ator estacionou na atuação do tipo (ou character actor), então mesmo com visual diferente não é uma atuação tão distante de seu consagrado papel em O Grande Lebowski ou nos mais recentes Bravura Indômita e Coração Louco. Não é um maconheiro desempregado ou o “cowboy com questões pessoais”, mas bem que lembra. É um ator certamente diferenciado e onde empresta sua interpretação consegue quase sempre ser a coisa mais memorável do mundo, mesmo quando, na seara de Robert De Niro e Al Pacino, está fazendo a mesma coisa de novo. Seu personagem fuma, bebe, encara os outros de maneira blasé, dispara referências e narra o filme em off até certo ponto - acaba sendo estranho e até inconsistente o recurso ser largamente utilizado para depois ser quase completamente abandonado.

A sensação geral é que poderia ser um filme bem melhor do que é - Webb dá esboços de amadurecimento, mas por alguma razão insiste em se repetir talvez para garantir mercado, em um filme que sabota seus pontos positivos com vícios de linguagem que já parecem um tanto cansativos após o boom do cinema indie do início dos anos 2000, com nomes como Wes Anderson e Noah Baumbach - e do qual o próprio Webb fez um dos filmes mais icônicos da geração. Curiosamente, é o seu segundo filme de 2017 após Um Laço de Amor, protagonizado por Chris Evans, cujo consenso da crítica no Rotten Tomatoes foi que apesar de ser um filme bem escalado e com uma proposta envolvente era bastante previsível.

Ou seja, resta a sensação geral de que há dois diretores aqui repartindo uma única carreira - o diretor dos videoclipes que ataca o filão indie (que de indie só tem o nome há tempos) com seus típicos maneirismos, e o diretor de filmes comerciais de super-heróis e dramas tocantes. É uma estratégia funcional por um lado, nem tanto por outro - Apenas Um Garoto em Nova York foi mal recebido internacionalmente, pouco somando além de 1 milhão nas bilheterias, apesar dos nomes no elenco - praticamente só formados de nomes conhecidos no cinema e na TV - e sendo duramente criticado pelo site Metacritic e pela revista Rolling Stone. Seu drama comercial mostra mais fôlego que o filme que tenta ser diferente, mas que acaba sendo comum demais. Ao apostar tanto em um cinema de pouco risco, Marc Webb pode até continuar exercendo o ofício, mas some enquanto cineasta, cada vez mais entregando produtos friamente calculados,  sem urgência ou criatividade alguma.

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