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Críticas

Cineplayers

Uma grata surpresa. Um sopro de originalidade e conteúdo em um gênero que parecia ter sido assassinado.

7,0

Na vida de um cinéfilo, poucas coisas dão mais prazer do que ser realmente surpreendido por algum filme. Há um verdadeiro sentimento de satisfação em garimpar produções pouco conhecidas e descobrir uma pérola – seja essa o talento de um cineasta novato, a originalidade de um roteiro ou mesmo um ator que se sobressaia em uma produção medíocre. Por isso, devo dizer que fiquei feliz quando os créditos finais de As Ruínas começaram a rolar. Não pelo alívio de o filme ter chegado ao fim, mas, ao contrário, pelo fato de ter testemunhado algo diferenciado, especialmente em um gênero tão sem graça quanto os filmes de terror adolescentes.

Escrito por Scott Smith a partir de seu próprio livro (ele também o autor de Um Plano Simples, obra que deu origem ao filme dirigido por Sam Raimi), As Ruínas tem início com dois jovens casais em uma viagem de férias no México. No hotel onde estão hospedados, os quatro conhecem um rapaz alemão, que os convida a visitar as ruínas de uma pirâmide maia que não se encontra mapeada. Eles aceitam, dispostos a fazer algo além de ficar na praia e na piscina do hotel. Ao chegarem lá, porém, vêem-se isolados e presos nessa mesma pirâmide, tendo que lutar para sobreviver.

É muito fácil pré-julgar As Ruínas como mais um filme de terror adolescente idiota. A leitura da sinopse acima leva a isso. Afinal, a produção tem início semelhante a filmes como O Albergue e Turistas, por exemplo, apresentando um grupo de jovens viajando em um país estranho, envolvidos em uma situação que pode custar as suas vidas. No entanto, o roteiro de Scott Smith e o trabalho de direção de Carter Smith surpreendem, evitando o caminho fácil das meras tripas e sangue para voltarem o foco aos personagens e ao aspecto psicológico da situação na qual eles se vêem aprisionados, tornando a experiência de assistir a As Ruínas ago muito mais tenso e recompensador.

Em primeiro lugar, Smith despende um bom tempo no início de As Ruínas estabelecendo a dinâmica entre os personagens. Esse, como se sabe, é um recurso fundamental para que um suspense seja capaz de gerar tensão – se a platéia sente que conhece as pessoas do lado de lá da tela, a preocupação com o destino delas é maior. Ainda que o desenvolvimento do perfil e da personalidade de cada um dos jovens não seja profundo – pelo contrário, é até limitado – as primeiras cenas são eficientes na construção de um clima natural e realista no cenário: os jovens não se comportam somente como personagens, mas como jovens se comportariam em uma viagem de férias. Assim, o início de As Ruínas é bem-sucedido ao, pelo menos, criar identificação entre o público e aquele grupo de pessoas.

Felizmente, os lampejos de inteligência de Smith e do roteiro continuam no desenrolar da trama. Quando os protagonistas chegam à pirâmide, há, logo de cara, uma cena de morte que realmente surpreende o espectador – não somente pelo aspecto gráfico, mas pela forma com a qual ela acontece. Logo depois, os personagens encontram-se isolados no topo da pirâmide e é exatamente aí que, pouco a pouco, As Ruínas vai ganhando sua força. Carter Smith foge dos clichês do gênero ao evitar os momentos de susto repentinos, optando por construir uma tensão crescente focada mais nas pessoas do que nas mortes.

Essa é a maior qualidade do filme, que segue a linha de obras como O Senhor das Moscas e até Batman – O Cavaleiro das Trevas, tornando-se mais complexo do que parecia à primeira vista ao realizar um estudo sobre a natureza humana. Em As Ruínas, o grande objetivo não é mostrar os personagens sendo eliminados um a um ou como eles irão escapar, mas como pessoas normais reagem em situações extremas como essa. E tal transformação é realizada com bastante competência, de maneira gradual, uma vez que a platéia jamais duvida que eles poderiam realmente tomar as atitudes e decisões drásticas que tomam, mesmo que essas nada tenham a ver com os amigos felizes do início do filme.

A credibilidade da mudança pela qual os personagens passam deve muito também ao jovem, mas experiente elenco. Jonathan Tucker assume o papel do “líder” do grupo e acerta ao compor seu personagem em um misto de inteligência e arrogância. Já Shawn Ashmore cumpre seu papel, mas falha ao nada trazer de novo ao personagem, enquanto Laura Ramsey convence na espiral rumo à loucura pela qual Stacy passa. O grande destaque, porém, fica com a sempre talentosa Jena Malone (que já demonstrou sua capacidade em filmes como Lado a Lado e Galera do Mal), que faz de Amy uma garota vulnerável e com medo, mas que tenta manter a sanidade para sobreviver - exatamente como faria uma pessoa normal.

Por outro lado, se funciona na construção paulatina da tensão e no retrato da influência do evento nos personagens, As Ruínas derrapa em alguns exageros. Em primeiro lugar, os efeitos digitais são precários e é fácil diferenciar os momentos nos quais o filme apela para o computador e quando os efeitos são reais. Além disso, a questão das plantas assassinas rende momentos típicos de um filme B, que não condizem com a inteligência e maturidade no desenvolvimento do suspense (os instantes nos quais as flores “imitam” frases ditas pelos personagens são quase risíveis). E, para finalizar, algumas das atitudes tomadas pelos personagens parecem sem sentido, como para servir unicamente às conveniências do roteiro: não poderiam ter levado Mathias para mais longe das plantas, uma vez que ele já estava imobilizado?

As Ruínas está longe de ser um filme genial. Porém, ao se preocupar mais com o consequências do perigo no comportamento dos personagens do que com o perigo em si, Carter Smith fez de seu trabalho um mais que bem-vindo sopro de originalidade e conteúdo em um gênero praticamente assassinado por Eli Roth e Jigsaws da vida. Uma grata surpresa, com momentos genuínos de tensão, um deles envolvendo uma criança e outro uma cena de amputação. Merece ser descoberto.

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