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Críticas

Cineplayers

Aceitamos o amor que achamos que merecemos.

7,5

Ver As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012) é atestar o quanto a sociedade evoluiu dos anos 90 até os dias de hoje. Era aquela porcaria a herança dos anos 80: os gays todos no armário e levando vida dupla, mulheres ainda seguindo padrões machistas e patriarcais para casamentos, e os “alternativos” sendo furiosamente perseguidos e isolados. Não havia muito espaço para a diferença, a diversidade ou mesmo respeito pelas individualidades: o que reinava era uma visão estreita de sociedade que previa punições para quem estivesse fora das normas. A internet chegaria para explodir tudo isso, felizmente, mas o movimento para mudar essa estrutura já estava em andamento. O filme capta essa fase de transição, de forma que as personagens hesitam e parecem um tanto frágeis, se comparadas hoje.

O que faz a delícia dessa  triste crônica de um período doloroso para todas as personagens é, mais do que a reconstituição história e a própria narrativa, o trio central de atores, maravilhosos. Trata-se de um grupo absolutamente natural e normal hoje em dia – um hétero sensível (Logan Lerman), uma mulher (Emma Watson) e um gay (Ezra Miller) –, mas uma raridade naquelas priscas eras. Os atores estão os três muito bem no filme e Emma Watson, apesar de ligeiramente velha para o papel, está soberba como a mais madura deles (é covardia a comparação, em geral mulheres são sempre bem menos imaturas que os homens, ainda mais adolescentes). Como é bom vê-la finalmente livre dos diálogos idiotas da série Harry Potter, onde ela só era escada para um personagem insuportável. Watson é uma atriz e sobreviverá à tal Herminione.

Ezra Miller é o problemático rapaz de Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin, 2011) e compõe muitíssimo bem o gay que, cansado das hipocrisias, toma a dianteira e se expõe (vai apanhar muito, inclusive fisicamente, é claro), o que não o impedirá de ter as mesmas desilusões amorosas dos demais – sua atitute expansiva, desafiadora e agressiva não o poupará tampouco de cometer os mesmos erros dos outros. Mas o filme é todo visto pela perspectiva do mais jovem, de 15 anos, Charlie, que viu o melhor amigo suicidar-se, entre outras tranqueiras. Mentalmente fragilizado, retraído,  tímido à beira do patológico, sem aptidão para os esportes e, chaga máxima, meio probetão, sua vida na high school é um inferno com direito a roubo de tarefas escolares.

O três personagens têm muito a dizer porque aprenderam rápido a grande sacada dos anos 90, válida até hoje: vá procurar sua turma. Em vez de seguir os mais populares e ficar se esforçando para seguir os demais, fazendo coisas que não lhe atraíam, os três se juntam e vão poder descobrir o mundo da maneira deles, muito mais rica e interessante, evidentemente, porque agora fazia sentido para eles. Vão se drogar, escutar muita música pop, ler livros intensamente, ver grandes filmes (inclusive, pasmem!, em preto-e- branco), trocar afetos, angústias, ensaiar os primeiros namoros, sexo etc. Porque compartilhado, tudo fica melhor, mais intenso. Hoje, as plateias mais jovens devem achar tudo meio devagar e sem interesse, mas, acreditem, meninos e meninas, esses aí estavam BEM à frente do tempo. Isso o que eles estavam fazendo beirava a revolução.

No Brasil, país de tradição católica, esse tipo de filme jamais seria feito. Somos uma sociedade muito mais comunitária que a anglo-saxônica, fincada no individualismo, e a exclusão social total, pura e simples, era (e ainda acho que é) muito rara de acontecer. Patrick, o gay, no Brasil provavelmente também seria excluído, mas não da mesma forma (no filme ele tem o apelido de Patrick Nothing), mas Logan e ela, Sam, dificilmente. O Brasil dos anos 80 não era brincadeira: além do conservadorismo, ainda teve recessão econômica, índices alarmantes de desemprego, ditadura militar e censura. Pessoal não era tão bem informado, não tinha tanto acesso à informação (as bibliotecas das escolas na época eram sofríveis, mesmo livros de qualidade eram difíceis de encontrar) e, com as barreiras impostas pelo governo ditatorial, o país seguia na pré-história obscurantista. Havia um abismo entre as gerações dependendo de onde você nascesse (tipo, se fosse brasileiro, era pelo menos uns 10 anos atrasado em relação a um de sua idade na Europa ou Estados Unidos), diferença que hoje não existe mais (não por conta da conjuntura econômico-política).

Vistas de longe, com a distância do tempo, há toda uma graça nas desilusões das personagens de The Perks of Being a Wallflower porque elas já foram superadas. Hoje só se vai atrás do douchebag quem quer – e porque gosta. Brinca-se, um tanto cinicamente, que, se antes as mulheres se casavam apenas pelo dinheiro, hoje elas se casam também pelo dinheiro, o que é uma tremenda diferença. Assim, no filme, o gay não vai resistir ao garotão enrustido, a nossa heroína, a um casamento que lhe daria uma certa estabilidade, e Charlie vai ter uma namorada só para não não-ter uma. Vão todos se estrepar, infelizmente, mas para nossa sorte: eles sofrem, enquanto nós ficamos mais aliviados de nossas escolhas, talvez mesquinhas e medíocres, mas ainda assim, nossas.

É de uma dessas infelicidades saborosas que vai sair a bela frase que resume o filme. Ao perguntar à Sam porque ela se casaria com o imbecil, ela vai responder (sempre elas, as mulheres, as mais sábias): 'We accept the love we think we deserve'. (Aceitamos o amor que achamos que merecemos.) Ela estava falando, na verdade, para ele, e acerta a plateia toda.

Um pena que o filme, tão anos 90, não resista e caia no psicologismo e na vitimização, que também são típicas da época, e o final se torne uma imensa choramingas num instituto psiquiátrico. Entram os pais, famílias, médicos... tudo o que não se espera de um filme de formação, com adolescentes, ainda mais esses, tão especiais: um crime terem tirado o foco deles. Talvez seja culpa da inexperiência do diretor/roteirista, Stephen Chbosky, ele próprio um hoje quarentão Generation X que escreveu o livro que deu origem, aqui apenas em seu segundo filme (e primeiro para os cinemas, o anterior foi para a TV). Ele começou a desenvolver o filme em 1999 para a MTV, e não é à toa que o filme esbanja música, a maioria baladas indies bastante choronas, que é o se fazia naquele época de alternativo antes de o Nirvana aparecer.

Comentários (29)

Lucas Felipe | terça-feira, 18 de Novembro de 2014 - 10:58

"Acho tão engraçado quando as pessoas tratam cinema como uma ciência exata, que terá o mesmo resultado pra todo mundo.
A coisa mais bonita do cinema, ou de qualquer outra forma de arte, e justamente essa subjetividade. Cada um entende e se emociona de uma forma, e é assim que tem que ser.
Fico impressionada com a maneira com que discutem se um filme é bom ou ruim, obra prima ou não, como se isso fosse uma verdade absoluta. Isso tira completamente a graça de assistir um filme!"

Falou tudo...

Rodrigo Giulianno | terça-feira, 18 de Novembro de 2014 - 15:46

Eu odiei esse filme.

Não vi nenhuma uma geração representada... romancinho superficial...bem fraquinho

Guilherme N | domingo, 05 de Abril de 2015 - 21:31

Eu não sei o que é pior aqui:
1. a critica é confusa e mal escrita.
ex: ''É de uma dessas infelicidades saborosas que vai sair a bela frase que resume o filme. Ao perguntar à Sam porque ela se casaria com o imbecil, ela vai responder (sempre elas, as mulheres, as mais sábias): 'We accept the love we think we deserve'.''
ESSA parte que ele diz resumir o filme, foi a parte que ele entendeu errado.
2. Os comentários
Quando ódio nesses comentários, ninguém respeita opinião de ninguém. Pessoas que não conseguiram entender que o protagonista sofria abusos.
3. Ignorância em excesso. Essa e melhor nem comentar

Jonatas Ferreira | quarta-feira, 30 de Novembro de 2016 - 21:35

Um filme de personagens apaixonantes!

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