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Críticas

Cineplayers

Sobrevivência versus depressão.

7,5

Em sua recente e promissora carreira em longas-metragens, JC Chandor vem chamando a atenção pela diversidade das histórias que lhe interessa contar. Sua estreia em Margin Call – O Dia Antes do Fim (Margin Call, 2011) acompanhou os predadores de Wall Street nas horas que antecederam a crise de 2008. Ainda vindouro, o thriller The Most Violent Year será centrado nos negócios de uma família de imigrantes na implacável e corrupta Nova York em um dos anos mais violentos de sua história, 1981. Entre ambos, temos Até o Fim (All Is Lost, 2013) como aquele que mais se distingue nesse início de carreira de JC Chandor, embora evidencie um tema sempre presente na versátil filmografia do cineasta até o momento: sobrevivência.

A construção narrativa de Até o Fim, marcada por linhas de monólogo que se restringem ao prólogo e uma introspecção profunda, o diferencia até mesmo dentro do subgênero filmes de sobrevivência. Em confronto com o falante As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012), nítido em transmitir a pluralidade de fé de seu protagonista, a mensagem de Até o Fim se mantém incógnita. Diante de seu principal paralelo no cinema recente, um Gravidade (Gravity, 2013) que esboça conferir complexidade à cientista Ryan Stone (Sandra Bullock) por meio de linhas expositivas sobre seu passado desnecessariamente, pois baseia a força de sua projeção em cenas de tirar o fôlego, a experiência proposta por JC Chandor não passa de entediante. O filme não serve a um espectador passivo, e seu minimalismo exige uma assimilação a maior prazo.

Robert Redford, excelente, é a figura contemporânea do velho lobo do mar, um homem que atravessa o mundo à moda antiga. Por quê? Numa narrativa que se dedica a apenas acompanhar o dia-a-dia do protagonista num veleiro prestes a naufragar, composta pelo nosso homem (o personagem não tem nome) em meio a reparos, pausas para se alimentar e raras tentativas de se comunicar com a terra (sendo o silêncio apenas interrompido por um design de som impecável), JC Chandor põe o espectador a pensar. Logo os closes no rosto pouco expressivo – apesar das rugas – de Redford nos permite notar que o isolamento daquele senhor norte-americano na imensidão do Oceano Índico é autoimposto e pode esconder uma motivação bem particular. O preparo do protagonista frente ao iminente naufrágio confere a um incidente inesperado contornos de tragédia anunciada, ou esperada. Sua calma, positiva em uma situação de urgência, se confunde com indiferença, e incomoda. A impressão que se tem é de um homem resignado em abraçar o seu destino, como que sofresse de alguma patologia. Qual seria?

Um caso familiar recente me levou a imediatamente associar o isolamento autoimposto pelo nosso homem ao retraimento social de uma vítima de depressão. Tal qual uma pessoa que se esconde em um cômodo escuro, se distancia das pessoas que ama e manifesta um prejuízo funcional preocupante, como afastamento do trabalho e afins, o personagem admite para seu diário (num processo que lembra a escrita de uma carta de suicídio, outro sintoma da depressão) ter se colocado naquela situação por ter sido incapaz “de ser verdadeiro, de ser forte, de ser gentil, de amar, de estar certo”. Ele escreve para sua família, arrependido por ter abandonado pessoas de que sentirá falta, arrependido por ter encontrado o rumo quando tudo já estava perdido. Curiosamente, isso acontece após acompanhar, desolado, o naufrágio de Virginia Jean, veleiro com nome de mulher pelo qual nutre um sentimento diametralmente oposto ao desapego de alguém que optou por se isolar num oceano do outro lado do mundo. Nosso homem se questiona como pôde demorar tanto a admitir que não tinha certeza. Pois o certo é pensar o contrário: ao menos ele teve tempo de admitir, de tentar, de lutar.

Nesse sentido, tal analogia traz consigo uma bela mensagem de esperança. Quando o contêiner rasga o casco de sua embarcação, um fator externo manifesta no protagonista o instinto de sobrevivência de que necessitava para ter forças de acordar e refletir sobre a própria vida. Se, por um lado, o fim parece próximo, por outro o desejo inconsciente de autodestruição também cessa. Já na sequência final, quando a ideia de sobrevivência versus depressão ganha uma metáfora cristalina (e eu recomendo que pare de ler quem não tiver assistido ao filme, devido a spoilers), vemos nosso homem se entregar à escuridão e imergir, pequenino, rumo ao fundo do mar, quando abre os olhos e avista lá em cima a inesperada luz de um pequeno barco, ali para resgatá-lo. A lógica é perfeita: a ajuda de um terceiro pode ser imprescindível, mas de nada teria adiantado se, até ali, nosso homem não tivesse lutado, sozinho, pela própria vida. E ele mostrou que é possível.

Comentários (8)

Pedro H. S. Lubschinski | quarta-feira, 19 de Março de 2014 - 10:55

Assisti ontem. Gostei do filme, apesar de considerar essa falta de diálogos uma faca que corta pros dois lados, sendo algo bom e ruim ao mesmo tempo.
Escrevendo sobre o filme me lembrei da cena que o encerra e
SPOILER pensei que pareceu uma associação ao ato de se entregar nas mãos de uma ajuda divina quando a situação atinge um nível de desespero insuportável: o personagem parece pronto pra desistir e a ajuda vem de uma mão desconhecida, de cima para baixo FIM DO SPOILER
Fui o único que pensei isso e viajei? 😕
A propósito, belo texto Rodrigo :)

Caio Henrique | quarta-feira, 19 de Março de 2014 - 11:41

Boa crítica man! Esse diretor tá se saindo um tanto quanto promissor.Considero Margin Call um dos melhores de 2011 e pelo que foi exposto esse All is Lost mantém o ótimo nível de direção(segurar o filme num único personagem sem nome,sem um passado exposto e quase sem diálogos é um baita de um trabalho hercúleo). No aguardo pelo The Most Violent Year

Rodrigo Torres | quinta-feira, 20 de Março de 2014 - 03:24

Não, Pedro, não está errado. Lembro que cheguei a pensar \"só falta ele abrir os braços\". Ainda bem que não. rs

Alexandre Marcello de Figueiredo | sexta-feira, 16 de Maio de 2014 - 12:42

O filme é Robert Redford, o barco e sua angustiante solidão em busca da sobrevivência em alto-mar. Nenhum diálogo e uma chatice só.

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