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Críticas

Cineplayers

O sonho concretizado do remake funcional.

7,0
O ímpeto da atual Hollywood em resgatar as fórmulas de ouro de seus tempos de glória tem resultado numa onda infindável de remakes e releituras de clássicos, muitos deles considerados intocáveis - e para alguns cinéfilos saudosos isso tudo é um verdadeiro sacrilégio. A carência de ideias novas é tanta que até os trabalhos mais improváveis têm sido revisitados, como é o caso de Ben-Hur (idem, 1959/2016), um dos filmes-monstro da Velha Hollywood que ultrapassaram o rótulo de clássico para se firmar como a referência máxima de um gênero. O épico de William Wyler, vencedor de 11 Oscar, duração de mais de três horas, estrelado pelo lendário Charlton Heston, vai além de qualquer definição de sua importância para ocupar o posto de magnum opus dos filmes épicos americanos, a justificativa de um gênero, além de uma imposição ufanista do poderio absoluto dos ianques sobre o cinema comercial, que começava a se solidificar como uma indústria milionária. Em outras palavras: um feito incapaz de ser reproduzido novamente.

O grande acerto do Ben-Hur do diretor Timur Bekmambetov é justamente a consciência de que não é páreo para o filme de Wyler - não por uma questão de resignada humildade, mas pelo simples fato de que os anos trataram de colocar o filme de 1959 em um pedestal de prestígio inatingível. Por isso, o cineasta tem a boa sacada de trabalhar num filme paralelo ao original, jamais competindo, e sim seguindo um caminho diferente. Mais do que isso, o diretor tem a noção de que atualmente o épico cristão não tem o mesmo apelo que tinha há quase 60 anos atrás. O cinema comercial americano que tenta resgatar esse tipo de produção, a exemplo de Noé (Noah, 2014) e Êxodo - Deuses e Reis (Exodus: Gods and Kings, 2014), perde-se na ingenuidade de tentar uma fórmula antiga num mundo muito mais plural e dividido. Bekmambetov dribla esse problema e livra seu trabalho do peso de um épico e o conduz como um filme de ação moderno, de fácil assimilação e aceitação para o público atual.

Incrivelmente barroco, o diretor aposta todas suas fichas em virtuosas cenas de combate, lindamente captadas em uma fotografia acertada nas cores sóbrias e em um entrosamento quase invasivo com os muitos corpos e rostos. Os momentos da batalha naval são particularmente espetaculares, servindo de escada para o grand tour de force da corrida de bigas, momento mais ousado e ambicioso da história e hora para o diretor deixar de lado qualquer resignação para com o filme original e se jogar de cara em seu talento como cineasta do movimento e das formas. E nada de recorrer ao CGI dos atuais e medrosos filmes de ação de Hollywood – toda a sequência foi filmada fisicamente de todos os ângulos possíveis e impossíveis, e sem o uso de dublês.

Quanto à história em si, Bekmambetov procurou cortar o tom triunfal do filme original para se ater a um conflito mais comedido entre Judah Ben-Hur e Messala (vividos pelos excelentes Jack Huston e Toby Kebbell, respectivamente). Foi criado um laço fraternal entre os personagens, deixando de lado a insinuação homoafetiva velada do trabalho de Wyler, o que contribui para um clima um tanto mais sombrio de fratricídio latente. Outra intervenção pós-moderna está na ambiguidade moral dos personagens, dessa vez não categorizados como mocinhos e vilões, já que o filme mostra sem julgamentos os atos de ódio e violência tanto de Judah quanto de Messala numa incômoda e igual proporção. Isso se reflete numa mensagem muito contundente e válida para o atual estado de Israel/Palestina e até influencia a participação de um Jesus menos mártir/símbolo religioso e mais humano, mais real, interpretado com muita sensibilidade pelo brasileiro Rodrigo Santoro.

Apesar do fracasso comercial que vem amargando mundo afora, Ben-Hur é uma aula de como conciliar a atual vibe hollywoodiana de remakes com uma qualidade e frescor que justifique a iniciativa. Sem jamais soar pequeno ou inútil diante do filme original, mas por caminhar com as próprias pernas e apostar num material revisionista de qualidade, temos aqui o cinema comercial atual em sua melhor forma: não de todo original, mas eficiente, empolgante e de tirar o fôlego.

Comentários (3)

Arthur Brandão | quarta-feira, 24 de Agosto de 2016 - 19:14

Boa crítica Heitor! Estou curioso nesse... mas ainda tem uns na frente pra ver. 😁

Pedro Henrique | quinta-feira, 25 de Agosto de 2016 - 23:24

Rapaz fiquei surpreso em ler algo positivo desse filme. Será que compensa

Alexandre Koball | sexta-feira, 02 de Setembro de 2016 - 13:05

E apenas 10 dias depois do lançamento o filme já sumiu dos cinemas, das bilheterias e ninguém mais fala dele.

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