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Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

(Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance), 2014)
7,8
Média
725 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Para um filme sobre provar o valor do ator no presente, Birdman é bem amargurado com o cenário atual da indústria.

5,5

O cinema de Alejandro González Iñarritu, desde sua estreia em Amores Brutos, se baseia na dura jornada de personagens que sofrem diante das circunstâncias que não controlam em totalidade. A parceria rompida com o roteirista Guillermo Arriaga, responsável pelos três primeiros do diretor, prometia uma liberdade maior para o mexicano, que não precisava se preocupar com as ligações nem sempre bem-sucedidas de Arriaga, que poderia contar historias mais concisas, com uma linha de pensamento melhor estabelecida. Biutiful, primeiro filme pós-Babel, só demonstrou que os cacoetes da mão pesada do narrador, que julga seus personagens a ponto de comprometer a narrativa com soluções melodramáticas exageradas, estava na própria intenção “autoral” dos filmes.

Muito pelo retrospecto duvidoso, Birdman entra como uma obra deveras curiosa na filmografia de Iñarritu. Uma comédia que beira a sátira, com herança forte da histeria das screwball comedies e seus diálogos ágeis, cuja estrutura evolui em função dos personagens, arcos dramáticos que se entrelaçam e se desenvolvem à medida que os atores se cruzam no quadro. A opção de rodar quase todo o filme na preparação para a peça escrita pelo protagonista Riggan Thompson é tão reverente ao potencial dramático do teatro quanto a forma do ator reagir à Arte.

O ritmo do filme, fundamental para ilustrar o fluxo de consciência proposto pelo roteiro, é moldado pela trilha de jazz, improvisado na bateria espetacular de Antonio Sanchez, e pela fotografia do mexicano Emmanuel Lubezki, cada vez mais conhecido pelo trabalho de câmera conceitualmente rebuscado - que não raro vira o destaque dos projetos que entra. Os planos-sequência propostos por Lubezki em Filhos da Esperança e Gravidade aqui são reduzidos para um único plano, que dura do prólogo até o início do epílogo. A estratégia não impressiona tanto pelo virtuosismo (Sokurov fez mais em seu Arca Russa, e melhor), mas exerce função narrativa impecável durante os dois primeiros atos. Por mais que tenha cenas fotografadas com descaso assustador (os diálogos de Norton e Stone no telhado parecem filmados com um iPhone), e no fraco último ato a necessidade de se manter ao plano único o faça soar deslocado, ao longo do filme a dessaturação calculada e a iluminação majoritariamente diegética constróem uma atmosfera que complementa e explora o ambiente como extensão do estado mental dos personagens. Toda a preparação para a peça de Riggan flui como uma ideia contínua, desesperadora no ritmo ligeiro, trazendo tanto inquietação pela expectativa dos personagens para a estreia quanto angústia pelo estado mental deteriorado gradativamente do protagonista - explorando com um humor negro que nunca se mostrou presente na filmografia do mexicano.

Nesse sentido, o personagem vivido por Michael Keaton transmite muito da obsessão com a Arte que performers carregam. A tentativa de estender sua obra para a vida pessoal, um conflito que dá lastro à narrativa que flerta com o surrealismo pontualmente, é sobretudo uma necessidade de entender a responsabilidade do papel perante o público. Dessa forma, Riggan precisa de aprovação do público de teatro da mesma forma que precisa do afeto da família, duas entidades igualmente distantes na vida pessoal que cada vez mais se deixa mesclar com o profissional. A incursão psicológica densa lembra a jornada da bailarina de Cisne Negro, mas trocando o horror de corpo do filme de Aronofsky pelo humor de situação metalinguístico. Essa dualidade, que apresenta um arco forte para o personagem de Keaton, é movida a muitos monólogos didáticos sobre os obstáculos dramatúrgicos do protagonista (e cada ator tem o seu), mas é condizente com a postura teatral charmosa que Birdman assume desde o princípio.

O problema é quando Iñarritu vê o pano de fundo criado e acha potencial para discutir não apenas sobre obsessão artística, mas sobre o Mundo, a Arte, a Condição Humana, o Estado das Coisas. O papel da tecnologia como catalizador da mediação do público com a arte revela o olhar datado do roteiro, os problemas conjugais do casal ganham a gravidade de mal-estar de relacionamentos, a relação pai e filha vira um ensaio sobre a forma que as mídias tratam o artista. Nisso, o terceiro ato desenvolve o personagem sob ótica existencialista que tenta a sutileza, mas soa vazia na inexistência de uma evolução dramática. Iñarritu busca simbolismos quaisquer na busca de uma conclusão do personagem, a ponto de promover até o mais prosaico papel higiênico em símbolo de nossa pequenez no universo.

A postura diante do Cinema não ajuda – e para um filme sobre provar o valor do ator no presente, Birdman é bem amargurado com o cenário atual da indústria. A metalinguagem é a regra desde o princípio, seja nas atuações de Edward Norton e Keaton como versões de si mesmos ou nos diálogos que passam da esperteza pra obviedade muito rápido, e até diverte na construção do personagem de Keaton, mas ao esgarçar a proposta o comentário crítico se dilui. Não basta criar uma piada falando do quanto Riggan é menos famoso que George Clooney, tem que citar o último filme do Birdman foi em 1992, dizer que é o protagonista que abriu as portas para Robert Downey Jr. nesse filmes de herói.

Essa visão reducionista dos blockbusters diz muito sobre a pretensão autoral do cinema de Iñarritu, que busca em estruturas de melodrama retratos manipuladores que julgam personagens sob o filtro falso do realismo urgente. Por mais que tenha frescor no que satiriza a indústria, e de fato o olhar estrangeiro do diretor ajuda no cinismo, a forma de enxergar o cinema de gênero é preguiçosa, ao ver os filmes do tipo como superficiais, sem conteúdo algum. O que Iñarritu não percebe é a liberdade criativa que o gênero concede a diretores que têm o que dizer liberta de amarras artísticas que podem ser armadilhas em mãos erradas. Nesse aspecto, filmes como Beijos e Tiros e JCVD são melhor sucedidos no caminho da sátira, porque não negam que a sátira pode se tornar uma verdade no gênero, o clichê que se instala consciente mas enxerga seu valor no discurso. Do alto do pedestal auto-imposto desse cinema "de arte", Iñarritu não chega aos pés de Carpenter, de Siegel, de Mann.

A síntese da ideia vem em certo momento, quando o super-herói olha para a câmera e versa com raiva sobre o quanto “vocês só querem ver isso, isso que os faz se divertir”, em meio a explosões e tiroteios. Um pensamento desastroso não só por achar que o problema dos filmes de ação está no gênero, e não na maneira como ele é feito, como por usar um didatismo sofrível que trata o espectador não apenas como idiota como também culpado pela padronização dos espetáculos arrasa-quarteirão da atualidade.

Isso seria apenas uma visão distorcida do diretor, em meio às tantas verdades absolutas que o filme quer dizer, mas ao afetar diretamente a motivação do retorno ao panteão artístico, o arco do personagem afinal, a ideia geral é prejudicada. Não adianta falar sobre recomeços enxergando o futuro com desesperança; esse olhar saudosista funciona mais a um filme museu como Arca Russa que a um manifesto do hoje-e-do-agora como Birdman tenta ser.

Não cabe apontar reducionismos que funcionam bem para a estrutura - como a crítica de teatro -, mas é sintomático que a jornada interessante de Riggan Thompson se esvazie em meio a ambição de se tornar relevante ao versar sobre grandes temas. Um pequeno grande conto da farsa cinematográfica vira um megalomaníaco ensaio definitivo sobre a vida de artista; a grande virtude da ignorância, no final, é acreditar que falar um pouco de tudo é ter coragem.

Comentários (35)

Bernardo D.I. Brum | quarta-feira, 03 de Fevereiro de 2016 - 17:11

porque você é o eruditão da galera né davizão

Felipe Ishac | quarta-feira, 03 de Fevereiro de 2016 - 17:27

"autor da crítica, se você adora Transformers, Mercenários, Homem-Aranha e afins, não precisa criticar Birdman que é uma obra de arte e jogou a verdade na sua cara."

fui olhar no top 10 filmes do autor da crítica e tem apenas: solaris, cavalo de turim e tokyo story.

filmes que o davi nunca conseguiria assistir por não ter o nível de erudição dele.

você curte tranformers, seu burro. você curte cavalo de turim, seu burro.

esse é o davi da massa, o cara mais inteligente do cineplayers... quiçá de toda internet

Polastri | quarta-feira, 03 de Fevereiro de 2016 - 20:09

Davi eruditão que não sabe quem é André Bazin, kkkkkkkk

Augusto Barbosa | quarta-feira, 03 de Fevereiro de 2016 - 21:51

Transformers, Mercenários, Homem-Aranha e afins seriam interessantes se fossem russos.

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