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Críticas

Cineplayers

É preciso uma nova noção de beleza para abarcar o mundo mostrado em Biutiful.

7,0

Biutiful, grafia errada da palavra em inglês para bela ou bonita, sugere mais que uma absorção própria sobre uma língua estrangeira. No novo filme do mexicano Alejandro González Iñarritu, a precária grafia de Ana (Hanna Bouchaid) traduz a beleza alquebrada de cada personagem e até mesmo da Cataluña, região espanhola que lhe serve de cenário.

Neste primeiro trabalho fora da parceria com Guillermo Arriaga, Iñarritu mantém o foco de atenção sobre uma comunidade globalizada cuja interação acontece sempre por vias tortas. Desta vez, personagens de origens diversas encontram-se numa Espanha léguas distante em sua aparência da ensolarada Barcelona registrada por Woody Allen em Vicky Cristina Barcelona (idem, 2008).  Uxbal (Javier Bardem) é o pai dedicado de Ana e Mateo (o ótimo Guillermo Estrella). Para sustentar os filhos ele trabalha em conjunto com imigrantes africanos e chineses, sendo uma das pontas de uma rede de pirataria de mercadorias, que envolve desde a fabricação de cópias baratas de à venda ilegal destes produtos.

Diante desse quadro, é de se esperar que Uxbal viva sob constante tensão, sem tempo para prestar atenção em detalhes. Sem poder contar com a ajuda de Marambra (Maricel Álvarez), sua ex-esposa, ele segue cuidando dos filhos aos trancos. Como se não bastasse, a notícia de uma doença terminal o coloca frente ao maior desafio de todos: resolver a vida de sua família em apenas dois meses.

Filme de personagem que rendeu a Bardem o prêmio de melhor ator em Cannes, Biutiful nos preenche com a rotina desesperançosa de Uxbal e com os vários papéis desempenhados por ele. Seja ganhando uns trocados com sua mediunidade, ao consolar famílias sendo portador das últimas mensagens de defuntos ainda frescos, ou na relação que mantém com uma subempregada chinesa que cuida de seus filhos, tudo em sua vida parece a um triz de desaparecer entre as vielas sujas de Barcelona. Sem prévias explicações, vamos descobrindo certos segredos do protagonista como cúmplices oniscientes. Só nós sabemos o que se passa cada vez que Uxbal pira ou se excede.

O viés político do filme, explicitado nas 'investigações' sobre o modo de vida dos imigrantes e da confusa relação em que uns estrangeiros subjulgam outros, fazem parte do maior problema enfrentado pela Europa atual. Nisso o mérito é todo de Iñarritu, que buscou no alinhavo dessas histórias um equilíbrio entre denúncia e humanização, pondo todos os personagens em dia com seus conflitos, sem os deixar com uma aparência chapada ou sem profundidade.

O diretor aproveita cada oportunidade possível para afirmar a decadência moral das civilizações contemporâneas. Um chinês homossexual equilibra uma família tradicional e um romance secreto, enquanto vê seus negócios indo de mal a pior; irmãos que se traem; crianças perdendo sua inocência e um homem que tenta preparar o mundo ao redor para sua ausência. São 138 minutos de agonia e pouquíssimos respiros. Nada contra a abordagem do diretor, mas após hora e meia de filme as soluções encontradas pelo roteiro para perturbar ainda mais a vida de Uxbal perdem o crédito, pricipalmente quando os personagens secudários são realmente deixados em segundo plano e não encontram um desenvolvimento interessante de seus dramas.

Assim, Javier Bardem chega ao fim da jornada realmente exaurido, tanto pelas condições dramáticas exigidas por seu personagem quanto por carregar o filme nas costas. Mais uma vez, mérito do diretor que escolheu muito bem o parceiro para esta empreitada.

Se Biutiful não agrega elementos propriamente novos à cinematografia do mexicano, pelo menos refina seu estilo, cuja câmera mantém-se atenta a tudo que é escuro e não brilha, seja na alma humana ou em seu entorno. Será preciso ao menos mais um filme para sabermos ao certo onde terminava Arriaga e começava Iñarritu na parceria entre os dois, ainda que Vidas Que se Cruzam (The Burning Plain, 2008) tenha deixado claro que Arriaga precisa de muito para amadurecer na direção.

Agoniante e sem esperanças, a mensagem de Biutiful apresenta outras noções clássicas sobre  a beleza, trabalhando com os conceitos tradionais sobre o belo como a imagem num espelho quebrado. O rompimento dos padrões vendidos como verdadeiros deixam a impressão de que tudo está errado e fora de lugar. Até que um cataclisma surja para rearranjar os personagens em seus devidos pedaços de realidade.

Comentários (2)

Alexandre Carlos Aguiar | terça-feira, 20 de Dezembro de 2011 - 08:07

Um filme denso, triste, puro e bom, que corre contra as mensagens de esperança que faz com que geralmente temas assim sejam fotografados. A gente sente o peso nas costas carregado por Barden.

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 23 de Novembro de 2013 - 14:07

Barden mostra todo seu arsenal dramático de novo. O pôster com as crianças é lindo.

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