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Críticas

Cineplayers

“Oh my God, it’s Paris Hilton!”

8,0

O novo filme da diretora americana Sofia Coppola era certamente um dos mais aguardados no Festival de Cannes. Ele abriu a competição da mostra Un Certain Regard. A história traz questões profundamente contemporâneas, por tratar do universo das celebridades, sua exploração midiática e a criação de ilusões, desejos e cobiça na vida de pessoas comuns. Como disse a diretora na conferência de imprensa: é um filme que não poderia ter sido feito 10 anos atrás.

A escolha pelo título é explicado logo na sinopse: foi o nome dado pela mídia americana a uma gangue de jovens (entre 16 e 17 anos) que invadia casas de famosos em Los Angeles para roubar produtos de marca e se divertir. A escolha das celebridades não era aleatória: eram todos jovens nos quais o grupo se espelhava e que observava de longe em boates e casa noturnas que frequentavam. A história se baseia em fatos reais e chegou à diretora através de uma reportagem de Nancy Jo Sales, publicada na Vanity Fair em 2010 – “Os Suspeitos Usavam Louboutins”. Coppola interessou-se pelos personagens e seus delitos. Foi atrás das entrevistas colhidas pela jornalista e dos depoimentos registrados pela polícia, quando os meninos foram detidos.

A procura dos cinco atores para compor essa turma de amigos durou um ano. Para alguns, foi necessário um intenso trabalho de pesquisa, de forma a perder o sotaque (caso da britânica Emma Watson), adentrar no universo da moda (caso de Israel Broussard, que interpreta Mark, o personagem que conduz a história) e se familiarizar com o lifestyle de Los Angeles (para tanto, contaram com a ajuda da atriz Claire Julien, que de fato mora na cidade).

O filme tem muitos méritos além da história, que por si só já é bastante curiosa: é no mínimo surpreendente que adolescentes consigam acesso fácil e contínuo à casa de celebridades tão visadas. Ele incorpora com domínio a estética dos reality shows, das redes sociais e dos registros fotográficos (a multiplicidade de autorretratos instantâneos e compartilhados). A montagem é dinâmica e acelerada, no compasso do intenso fluxo de imagens e informações consumidas diariamente na internet. Assim, a contemporaneidade é trabalhada também enquanto linguagem, de forma fluida e bem-sucedida.

O espírito juvenil também está na tela: a narrativa é leve e bem humorada, tratando a superficialidade dos personagens com boas doses de ironia. Não há lugar para o desenvolvimento da psicologia e da intimidade: a sucessão de imagens é também uma sucessão de ações. A leveza perpassa todo o filme e sobrevive a um acidente de carro potencialmente perigoso, com a motorista alcoolizada, ao consumo de drogas ilícitas, à possibilidade sempre presente da descoberta e punição. Mesmo a divulgação de imagens de câmeras de segurança de uma das casas invadidas, em TV aberta, não abala as ações dos invasores. Isso só é quebrado na saída do julgamento, com a narração em off da dura sentença, e na sequência final, em que o olhar de Mark não encontra consolo.

Foi particularmente interessante assistir a “The Bling Ring” no mais importante e badalado festival de cinema do mundo. Cannes se pretende o epicentro do mundo cinematográfico (ou, para usar uma expressão da refinada língua francesa, “la crème de la crème”), exalta a cultura do tapete vermelho e atrai os olhares, gritos e cliques de milhares de pessoas. A própria vinheta de abertura sintetiza a ostentação do festival, sua autoconsciência grandiloquente. Aqui estamos, no céu, junto das estrelas. Abaixo de nós, o mundo. Acima, o infinito. O aparente bom gosto revela-se de um brega incontido.

Mas o “centro” não brilha sozinho. As bordas, as margens, o fora é que conferem sentido a sua existência e o alimentam. Ao lado do glamoroso tapete vermelho, onde as celebridades são bombardeadas com 24 flashes por segundo, há amontoados de jornalistas para entrar nas sessões (vale empurrão e furar fila para não ficar de fora) e dezenas de pessoas com plaquinhas pedindo ingressos para os filmes mais disputados. É para esse outro lugar que Coppola repousa seu olhar.

Essas relações ficam mais complexas se pensarmos que o elenco principal traz uma das atrizes mais conhecidas no mundo – visto que os 8 filmes da saga Harry Potter figuram no ranking dos 100 filmes de maior bilheteria na história do cinema, entre o 3º e 33º lugares. Vida e ficção se confundem quando sabemos que a casa mais visitada pelo grupo, e a mais excêntrica, é verdadeiramente a casa da milionária Paris Hilton. Os famosos do filme são os mesmos da vida real e há uma série de imagens de arquivo (fotos e vídeos) recheando a narrativa, contextualizando-a em seu tempo e conferindo mais força a sua abordagem temática.

A própria feitura do filme traz em si uma operação interessante, trazendo a margem para o centro, girando os holofotes para as sombras. Contudo, Sofia Coppola guarda um distanciamento crítico e lúcido. Ela manteve os nomes reais das celebridades, mas fez questão de criar novos para os protagonistas e assim não contribuir para a fama que os jovens ganharam por motivos escusos.

Visto no 66º Festival de Cannes

Comentários (12)

Patrick Corrêa | sábado, 17 de Agosto de 2013 - 09:54

Ótimo texto para um ótimo filme.
Não esperava gostar tanto e fui pego pela história.

Guilherme Santos | sábado, 17 de Agosto de 2013 - 11:44

gosto muito de Coppola, ela tem potencial, ainda não errou a mão

Jonas | domingo, 18 de Agosto de 2013 - 22:01

Ótimo filme! Coppola acerta mais uma vez... 😁

Marlon Tolksdorf | terça-feira, 01 de Julho de 2014 - 12:00

Entusiasta dessa linda diretora. 😁

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