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Críticas

Cineplayers

Bobby é um esforço cinematográfico que aparenta ter nascido com 50 anos de atraso.

4,0

Na saída de uma sessão, um crítico de cinema se volta para o companheiro de profissão e pergunta: “E aí, gostou do filme?”, ao que o colega responde: “Não sei. Ainda não escrevi a respeito”. A piada interna serve para retratar bem que, no fundo, o crítico de cinema é um espectador normal e que ele só assume uma condição, digamos, diferente dos demais no momento que exerce um trabalho intelectual sobre a obra que lhe é desafiada.

Eu concordava inteiramente com o conteúdo do diálogo, especialmente com a fina ironia que ele trazia embutida. Até ver Bobby. No momento que os créditos começaram a correr pela tela, eu sabia que havia assistido a um filme ruim. Agora, sendo obrigado a raciocinar sobre ele, eu tenho certeza.

Bobby é fruto da dedicação de sete anos do ator e diretor Emilio Estevez. Com apenas quatro longas-metragens no currículo e sem gritar “ação!” desde 1996, quando lançou o praticamente desconhecido Lembranças Vivas (The War At Home), Estevez sempre carregou consigo o sonho de levar às telas a vida de Robert Francis Kennedy. Nascido em 1962, ele tinha apenas seis anos quando o senador nova-iorquino foi assassinado pelo ativista palestino, Sirhan Sirhan, na cozinha do Hotel Ambassador, em Los Angeles, logo após o discurso da vitória nas eleições primárias do Partido Democrata no estado da Califórnia. O triunfo o tornava favorito na disputa da Presidência dos Estados Unidos no final de 1968. Com sua morte, no entanto, o republicano Richard Nixon aproveitou o espaço político que se abriu e bateu o vice-presidente da época, Hubert H. Humphrey, tornando-se o 37º ocupante do até então chamado Reino de Camelot. 

Se a geração de Estevez cresceu tendo a família Kennedy como referência, não é de se estranhar tamanho esforço na gestação e criação de um filme. O que me espanta é constatar, ao final da projeção, o quão pouco o diretor tem a dizer sobre o tema.

Aparentemente, mais do que falar sobre Robert Kennedy, a pretensão de Estevez foi construir um painel da sociedade americana da época. Para tanto, criou um sem número de personagens, todos eles fictícios, que por diferentes motivos se encontravam no Ambassador na virada do dia 4 para 5 de julho de 1968. Cada um com sua própria história, nem todas interligadas umas com as outras, ou mesmo com a vida de Bobby. Com tantos núcleos para desenvolver num espaço de tempo tão apertado de duas horas, era previsível que o roteiro (também de autoria de Estevez) não desse conta do recado. A sensação final que carregamos é de excesso de tramas e sub-tramas, muitas delas desnecessárias, sem qualquer função dentro filme.

Assim, temos William H. Macy vivendo o gerente do hotel, que tem um romance extraconjugal com a telefonista Heather Graham. Sua esposa, uma quase irreconhecível Sharon Stone, é cabeleireira do local e serve de ombro amigo para as confissões regadas a altas doses alcoólicas de uma estrela da música, vivida por Demi Moore. Seu marido, o próprio Emilio Estevez, tenta sem sucesso administrar a carreira da esposa. Paralelamente, há um casal vivido por Martin Sheen (pai de Estevez na vida real e que, pelo que lembro, deve ter participado de todos os filmes do filho) e uma fútil Helen Hunt, cuja única preocupação é comprar um novo par de sapatos que combine com seu vestido. A cozinha do hotel traz outros personagens, entre eles negros (Laurence Fishburne) e hispânicos (Freddie Rodriguez), os quais são regidos na rédea curta por um preconceituoso Christian Slater. Há ainda outro casal vivido por Elijah Wood e Lindsay Lohan, ele prestes a embarcar para o Vietnã e ela disposta a impedi-lo, ainda que através de procedimentos, digamos, não muito ortodoxos. Uma repórter tcheca (Svetlana Metkina) tenta conseguir uma entrevista com o senador Kennedy, o que gera algumas discussões com o administrador da campanha sobre as diferenças entre o comunismo e o capitalismo. Anthony Hopkins, que atua na fita também como um dos produtores, passeia como um fantasma pelo hotel que outrora administrara, procurando pelo seu parceiro de jogos de xadrez (Harry Belafonte). Por fim, Ashton Kutcher (marido de Demi Moore na vida real) demonstra a dois jovens integrantes da campanha de Kennedy as loucas loucas loucas aventuras proporcionadas pelo LSD.

Convenhamos que para administrar um elenco tão all-star como esse e, ainda por cima, com um orçamento dos mais modestos (U$ 10 milhões), Emilio Esteves prova, ao menos, o quanto é querido pela indústria. Infelizmente, prova também que roteiro e direção não são lá a sua praia.

Bobby é um filme que nasceu com uns 50 anos de atraso. Sua estrutura se assemelha àquelas fitas dos anos 30 ou 40, produzidos em escala industrial pelos grandes estúdios de Hollywood, em que pequenas histórias de amor, ingênuas até o último fio de cabelo, conduziam avante uma trama (ou um arremedo dela) que, invariavelmente, desaguava num final feliz. Outra semelhança é com os disaster-movies lançados nos anos 70, em que a tragédia provocada, digamos, por um incêndio num grande arranha-céu era entremeada por conflitos amorosos rasos e personagens estereotipados (o capitalista inescrupuloso, o mocinho abnegado, a velhinha bondosa, o velhinho em estado terminal, a prostituta etc.). Pra simplificar: misture Grande Hotel, produção da MGM vencedora do Oscar em 1932, com Inferno na Torre, de 1974, e já se dá pra ter uma idéia do quanto Bobby cheira a mofo.

Os vários pequenos dramas sobre os quais o filme é construído, não trazem qualquer interesse maior ao espectador. Traições, racismo, guerras, romances adolescentes, futilidades, consumo de drogas etc. A história daqueles personagens poderia ser ambientada em qualquer época ou local. Ficamos coçando a cabeça ao longo das duas horas de duração da fita, tentando descobrir como ou quando tudo aquilo vai se relacionar com a vida – ou com a morte – de Kennedy. Ao final, percebemos que a impressão inicial estava certa. Os conflitos de Bobby são o que são: superficiais, supérfluos e tolos.

Estevez não soube nem mesmo aproveitar o terreno político que o episódio do assassinato lhe proporcionava. Ao contrário de fitas que abordam temas muito próximos, como JFK - A Pergunta que Não Quer Calar, Nixon e Treze Dias que Abalaram o Mundo, Bobby prefere fugir do debate, como se o contexto histórico que o cerca fosse quase acidental. Nenhum de seus personagens tem qualquer postura ou opinião política, seja contra ou a favor de Kennedy.

O filme também fracassa numa possível intenção de mostrar o Ambassador como um retrato em 3x4 da própria América. Os grandes temas da época, como o conflito no Vietnã, a luta pelos direitos civis, a recente morte de Martin Luther King, a Guerra Fria, são meramente tangenciados pelo roteiro. Ironicamente, a presença de Kennedy no hotel, é algo que soa até mesmo deslocado com o resto do filme, já que a grande maioria dos protagonistas não parece ter qualquer consciência do momento vivido naqueles anos pelos EUA e qual o impacto que uma provável vitória de Kennedy traria em suas vidas.

Ao que parece, Estevez prefere não polemizar. Talvez a superficialidade de seus personagens decorra justamente desta opção. Não é a partir deles nem da própria construção dramatúrgica que Bobby assume um ponto de vista. Antes disso, a visão de mundo do diretor vem expressa através da exibição de longas cenas de arquivos de telejornais, em que Kennedy aparece discursando, naquela voz monocórdia que conhecemos, apresentando suas idéias sobre democracia, liberdade, free world, etecétera e tal.

Para deixar ainda mais clara sua posição política – se é que ainda era necessário – Robert Kennedy, o homem, é mitificado ao ser representado por uma figura sem rosto, uma silhueta perdida no meio da multidão que o ovaciona no Ambassador, tal e qual um Deus enviado à Terra para salvar os necessitados de ajuda. Em Bobby, aquele que deveria ser o protagonista, não é um personagem. É um ícone.

Ao preferir esse modelo, Estevez desperdiçou uma bela oportunidade para refletir sobre um momento chave da história americana e mundial. Os discursos gravados de Kennedy viram um monólogo, em que o político passa a ter tribuna livre para apresentar seu projeto de governo e de mundo.

Como membro pertencente à elite liberal de Hollywood, estranha o fato de Estevez (e sua família) não ter utilizado seu filme como um instrumento de debate. A América seria diferente caso Robert Kennedy tivesse sido eleito? Como prometido, as tropas americanas seriam mesmo retiradas do Vietnã? Um confronto nas urnas entre Nixon e Kennedy, com uma provável do segundo, evitaria um outro Watergate? Qual o paralelo – se é que há – existente entre o estágio atual da política internacional norte-americana e a derrota do Partido Democrata no final dos anos 60? 

Tanto para os que se interessam pela história americana contemporânea, quanto para aqueles que pretendem apenas assistir a um bom filme, Bobby não é o programa indicado.

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