Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Boogie Nights colocou P.T. Anderson sob os holofotes de Hollywood. A partir daí, sua carreira deslanchou.

9,0

Aos 27 anos, o diretor e roteirista Paul Thomas Anderson firmou sua ainda curta, mas bem sucedida carreira, com Boggie Nights – Prazer Sem Limites. A premissa do filme, a princípio, não parece pertencer a um trabalho que viria a lançar ao sucesso, tanto de público quanto de crítica, um diretor quase iniciante – antes disso ele havia feito o filme Jogada de Risco. Mas foi justamente por tratar com tamanho gabarito um material tão delicado e passível de, em mãos erradas, cair na vulgaridade ou na caricatura, que Paul Thomas Anderson mostrou o bom cineasta que é.

O eixo central da narrativa acompanha a trajetória de um astro pornô nos anos 70 e 80. Mark Wahlberg, em seu primeiro papel de destaque, interpreta Eddie Addams que, devido ao tamanho avantajado de seu pênis, torna-se a estrela maior dos filmes de Jack Horner (Burt Reynolds), especialista em filmes para adultos. Só por aí já dá pra se mensurar o mérito de Anderson. Em momento algum, o filme faz qualquer gracejo ou lança um olhar nítido de censura sobre o mundo que está retratando. Ao contrário, seus defeitos e seus atrativos, aparecem na hora certa, deixando claro os prós e os contras daquela vida ao cobrir, principalmente, o arco dramático da vida de Eddie Addams – ou Dirk Diggler, que é como ele passa a ser conhecido.

Garoto pobre e cheio de problemas com a mãe que o considera um zero à esquerda e incapaz de alcançar qualquer sucesso na vida, Addams arruma, de maneira bem peculiar, algo em si que seja lucrativo e, como aquela vida do cinema lhe parece extremante sedutora, ele se deixa levar. Anderson trabalha isso na excelente seqüência que reproduz uma festa na mansão de Jack Horner, onde toda a boa vida e as tentações daquele novo ambiente desfilam diante do garoto. Glamour, dinheiro, carros, mulheres, tudo é reluzente e instantâneo demais para Addams. Mas esse mundo é também cruel, veloz, ávido por novidades. A concorrência permanente faz com que ele se transforme rapidamente em um astro de segunda categoria e daí, ele cai novamente no fundo do poço. É a clássica história da ascensão e queda, ambientada agora no ramo da pornografia.

Aliás, ambientação é a palavra-chave desse filme. Paul Thomas Anderson coloca de maneira verossímil o mundo pornô na tela e mostra saber manusear a fundo os recursos do cinema – tanto os do roteiro quanto os da direção – para isso. Anderson recheia o filme com histórias paralelas que desconstrõem, aos poucos, a fachada glamourosa e brilhante do início. Falta de escolaridade, distância da família, preconceito, dificuldades de se arrumar um outro emprego, drogas (muitas drogas) são elementos que orbitam em torno de Addams e criam coadjuvantes maravilhosos. A propósito, o elenco de Boogie Nights é sensacional e, apesar de enorme, é equilibrado quanto ao nível de exposição na tela – todos têm tempo de mostrar a que veio – e quanto ao nível da interpretação. São duas horas e meia de projeção que demonstram pouca concessão por parte de Anderson, que, com segurança, conduz a trama ramificada a seu modo. Os coadjuvantes não são meras peças de composição e de preenchimento, mas figuras complexas que ajudam a contar a história de um mundo, mesmo não estando diretamente ligados à trama do protagonista. Já se nota aqui, então, certo gosto por histórias paralelas que vai desembocar em Magnólia, trabalho seguinte de Paul Thomas Anderson.

Dando continuidade à criação da tal ambientação, Anderson faz uso constante de várias possibilidades de câmera e edição para conduzir o espectador. Longos planos-seqüência (cenas sem cortes), edição simultânea de diferentes cenas, recursos gráficos de montagem, câmera lenta, câmera acompanhando os pés durante o caminhar, câmera entrando e saindo da água, filme dentro filme, metalinguagem... São inúmeras as ferramentas de que ele utiliza, não sendo esse uso indiscriminado ou cheio de estardalhaço, porém. Esses recursos disponíveis, pouco utilizados por convencionalismo ou falta de ousadia, nas mãos de um bom cineasta como Anderson, ciente de suas potencialidades, resulta em trabalhos cinematograficamente mais fluidos, ricos e excitantes. Assim como a música, já trabalhada para ser “cool”, todo o desenho das cenas conduz a momentos que funcionam como uma materialização fiel dos acontecimentos do roteiro – sejam esses de excitação ou de depressão. Ou, às vezes, apenas a justificativa de se dar agilidade e coerência ao produto final já basta. 

Boogie Nights marca o início promissor de Paul Thomas Anderson, diretor que parece ter visão e tenacidade. Ele tem uma idéia na cabeça e sabe como executá-la, pois entende de cinema como poucos – ao menos como poucos iniciantes. Seu filme é correto, ousado na medida certa e deixa transparecer esse realizador com conteúdo e profundamente ciente dos meandros de seu ofício e de sua arte. O resulto é um produto melhor e maior que situa, envolve e emociona o espectador.

Comentários (1)

Faça login para comentar.