Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Compêndio audiovisual das mil faces de um certo país.

9,5

Para alguns, entender o Brasil deveria ser obrigatório para todo cineasta brasileiro. Mas o que vem a ser “entender” o nosso país? Críticas sociais, ainda que tendenciosas? Retratos folclóricos das nossas mazelas? A diversidade cultural, nem sempre a fazer jus aos nossos artistas mais genuínos? O puro e simples desejo de se falar em “brasilidade”? Marcelo Pedroso, fugindo de todas essas armadilhas, parece ter ensaiado em seus filmes anteriores o nível de abstração e o poder de síntese apresentado em Brasil S/A. Dificilmente veremos um painel tão amplo e decidido em imagem e som sobre uma nação, ainda mais quando tão contraditória e multifacetada feito a nossa.

Abrir mão de quaisquer diálogos, ou mesmo falas, é apenas o mais aparente dos vários sinais de grandeza artística deste longa. Qualquer palavra seria supérflua quando os atores falam com seus corpos de forma tão eloquente quanto as máquinas, os carros e demais objetos, que parecem rivalizar com os intérpretes enquanto forças expressivas. Neste particular, cabe notar o diálogo entre este longa e o curta Em Trânsito, do mesmo diretor, ambos compartilhando da coisificação das pessoas e da personalização das coisas nestes tempos tão líquidos.

A grandiosidade da trilha sonora em certos momentos é um forte comentário ao impacto do capitalismo desenfreado que atinge não apenas a Recife apresentada na tela, mas quaisquer outras cidades brasileiras, todas compartilhando do avanço da descaracterização da sua personalidade nos planos econômico, social e cultural. A propósito, este filme delimita com algum humor e sem impor agressivamente seus pontos de vista os alvos de sua visão agudamente crítica. A escolha do canavial enquanto cenário recorrente é algo precioso, mesmo sem sabermos do contexto da mecanização da colheita de cana-de-açúcar e do seu impacto social, em contraponto com a estrutura classista definida desde os tempos da cana destinada à nossa antiga metrópole quando da colonização por Portugal.

O desenho de som em Brasil S/A também diz muito mais do que palavras de ordem ou intelectualismos de pavão. Os sons da natureza, das máquinas pesadas, do tráfego apinhado de carros e de navios descomunais, dentre outros, são tão densos que constituem um filme à parte. Aliás, não seria exagerado dizer que, desde longa, poderiam surgir outros. Poucos cineastas podem se dar ao luxo de tamanho esbanjamento de conteúdo.

A simpatia do filme para com todos os excluídos ou conformados pelo progresso econômico descompensado é tão genuína quanto distante de qualquer paternalismo. Não se fala em coitados, mas sim em alijados de um desenvolvimento altamente custoso em termos humanitários. Há espaço também para comentários sobre o abismo racial, seja pela cor da pele dos personagens conforme o estrato social a que pertençam, seja pela apresentação inusitada dos papéis típicos do maracatu – difícil não lembrar, nesse momento, do Spike Lee dos bons tempos.

Contra um prognóstico encurralador apresentado até o momento, para onde seguir? A religião, tábua redentora sempre à mão, vem à tona de modo crítico, porém nada impositivo. Trata-se de conversar, não de converter. E Brasil S/A sabe como conversar tanto com o espectador mais afeito ao conteúdo dramatúrgico quanto àquele que preza pelo equilíbrio entre imagem e som.

A classe média também recebe seu quinhão de espaço, particularmente quanto à sua tendência para defender soluções simplistas aplicadas a problemas complexos. E o carro enquanto objeto de desejo e de temores é fundamental nesse aspecto. Os minutos finais levam a crítica a essa classe social a um paroxismo dos mais cáusticos, concluindo um dos filmes mais grandiosos e fluidos do cinema brasileiro dos últimos tempos. Marcelo Pedroso faz e fará por merecer todas as louvações por Brasil S/A, especialmente por entusiasmar um público farto de obviedades e infantilismos estéticos em cinema. Há forma e conteúdo de sobra neste filme. Que muitos o vejam, o percebam e com ele se espantem.

Comentários (1)

Abdias Terceiro | terça-feira, 23 de Setembro de 2014 - 20:11

Texto denso. Inclinou-me a ver o filme.

Faça login para comentar.