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Críticas

Cineplayers

Um pequeno filme para um ator gigantesco.

6,0

É preciso começar por dizer que a primeira adaptação para o cinema do romance de Charles Portis, Bravura Indômita, é um filme menor. Mas isso não é necessariamente uma qualidade apenas negativa. Se por um lado, os filmes pequenos não reescrevem ou contribuem significativamente para a história do cinema, por outro são estes filmes que a sustentam. Longe do peso das responsabilidades cinematográficas dos grandes clássicos, estes filmes trazem uma certa leveza do singelo. Assim, é permitido ao filme ser divertido, investir nos diálogos cheios de boas tiradas e nas gags de queda ou violência fáceis.

O maior defeito de Bravura Indômita é o fato de já ter nascido anacrônico em seu próprio tempo, na Hollywood dos anos 1960. Sua história e seus valores não dialogam em nada com as transformações culturais e sociais de sua época. E também não acompanharam as mudanças do western como gênero – nesse sentido, é quase inacreditável pensar no filme como contemporâneo do faroeste spaghetti de Sergio Leone e companhia. Mais de 40 anos depois, essa característica de uma representação fora do seu tempo nos parece ainda maior.

O filme conta a história da jovem Mattie Ross que acaba de ter o pai morto a sangue frio. Para vingar-se e encontrar o assassino do pai, foragido em terras indígenas, Mattie contrata Rooster (John Wayne) e exige acompanhá-lo nessa perigosa busca. Rooster que chama a atenção da garota justamente por sua suposta bravura indômita é um velho um tanto decadente e bastante alcoólatra. Assim, a narrativa se constrói da amizade improvável entre estes personagens.

De certa forma, esse é um enredo típico do western: o herói, um outsider; a mocinha, determinada e corajosa. E o que torna o filme menor é justamente o fato dele não conseguir dar conta da personagem de Mattie e da amizade que surge entra a garota e Rooster. No fim, o filme permanece cheio de valores moralistas demais, mas sem muita coragem de colocar o dedo em feridas: o alcoolismo de Rooster ou comportamento não convencional de Mattie. As questões estão lá, mas permanecem dormentes. São enunciadas como diálogos, mas não ganham vida como imagens cinematográficas.

No entanto, também é preciso dizer que mesmo como um filme pequeno Bravura indômita tem o seu valor simbólico. Valor representado sobretudo na figura do ator John Wayne, premiado com o Oscar por este filme. Wayne habita o imaginário cinematográfico mundial como o protótipo do caubói dos westerns. Rooster, seu personagem nesse filme, é representante de toda uma categoria em extinção, do herói destemido que aplicava a lei do olho por olho do velho oeste. O momento de transição simbólica que marca o filme é o desse espaço sendo territorializado, institucionalizado. Rooster já precisa lidar com os advogados de defesa e os juízes, enfim com uma justiça formal. A terra de ninguém está sendo completamente civilizada e a Rooster resta pouco além da embriaguez e do conflito constante com a sociedade. O caubói solitário agora está velho e cansado. E, nesse sentido, é significativo que seja John Wayne quem dá um corpo ao personagem. Filmar esse corpo de Wayne – ainda gigantesco e de forte presença na tela, mas também já decadente pela passagem dos anos – é quase um elemento documental. Rooster não precisa de um passado, Wayne traz consigo todos outros personagens que ele já foi antes.

A presença desse ator marcante é algo que quase não cabe em um filme aparentemente tão despretensioso quanto Bravura Indômita. E, ainda assim, tão natural. Um Oscar merecido por Wayne muito mais pelo imaginário representado por seu corpo do que pela atuação neste filme em si.

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