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Críticas

Cineplayers

Filme sobre a garota de programa mais conhecida do país se prende às curiosidades da rotina de uma prostituta.

6,0

Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha, a garota de programa que expôs sua rotina num blog que começou a ser escrito em 2003, viu sua história virar um best-seller chamado O Doce Veneno do Escorpião (Panda Books, 2005). Transformada em figura pública controversa, chegou a ser tema de um artigo no famoso periódico norte-americano The New York Times cujo conteúdo aborda as discussões sobre a moral e os costumes brasileiros postos em xeque pela liberdade com que Raquel expôs suas experiências publicamente, desafiando pudores e afirmando-se positivamamente com relação à posse e ao uso de seu próprio corpo.
 
Depois de tanta exposição é chegada a hora de Bruna Surfistinha ocupar espaço no cinema. Marcus Baldini, publicitário de formação, faz sua estréia como diretor com a cinebiografia da moça, apoiado pelo amplo material que teve à disposição: além dos relatos no blog e do livro de memórias, dois outros livros compõem o arsenal da mitologia criada ao redor da personagem, que já teve sua história contada também no teatro, sob a direção do crítico de cinema Rubens Ewald Filho.

O filme conta a trajetória de Raquel/Bruna (quase) linearmente, mas tangencia os aspectos iniciais da história, os motivos que a levaram a escolher a vida de garota de programa. Semelhante ao que ocorre num filme pornô clássico - onde as motivações pouco importam -, passados poucos minutos a ação se concentra naquilo que 'realmente importa'.

Após um breve interlúdio em que somos apresentados à vida de estudante classe média da moça, seguimos para o batente com a agora Bruna, que só na primeira semana recebe 30 clientes num prostíbulo disfarçado de hotel instalado no centro de São Paulo. Assim, o filme costura seu primeiro terço sem apresentar uma novidade sequer sobre a rotina da prostituição como meio de sobrevivência, perdendo a possibilidade de utilizar melhor as singularidades da história de Raquel para desautomatizar a narrativa.

Apoiado no carisma de Drica Moraes e na sempre boa presença de Fabiula Nascimento, a passagem de Bruna pelo espaço da cafetina Larissa envolve a descoberta da sexualidade, ciúme, traição e depois o coleguismo que vira amizade. Bruna então é aceita neste mundo e passa a transitar por ele com desenvoltura. Já Débora Secco levará ainda mais um terço da história para se encontrar confortável na pele da prostituta, coisa que acontece já pertinho do final, como se o amadurecimento da personagem tenha coincidido com o amadurecimento da interpretação de Débora neste trabalho.

Quando Raquel finalmente assume a alcunha de Bruna Surfistinha e monta o blog que a tornará conhecida, a veia publicitária de Marcus Baldini encontra terreno fértil e é possível enxergar a explosão de brainstorms do diretor e sua equipe: Bruna faz um ensaio fotográfico, ascende aos céus da blogosfera brasileira e começa a ser envenenada por seu próprio sucesso. Parto cheio para efeitos que lembram comerciais de banco ou shopping. Difícil mesmo é ter que admitir que, para nossa sorte, à medida que a curva de ascensão da personagem declina esses tiques são acalmados.

Neste ponto o filme se aproxima bastante de Nome Próprio (idem, 2007), dirigido e co-roteirizado por Murilo Salles, sobre a trajetória de outra celebridade dos inícios da internet brasileira, Clarah Averbuck, cuja exposição da própria vida num blog a levou pela mesma estrada que Bruna Surfistinha: do digital para o mercado literário e depois para o cinema. Aos leitores mais exaltados cabe ressaltar que este texto não entrará na discussão sobre o tipo de literatura feita por cada uma, da mesma forma que não contribuiremos com juízos de valor para julgar se Raquel Pacheco e Clarah Averbuck podem ser postas na mesma prateleira da livraria. Basta dizer que o mercado cinematográfico nacional achou um nicho para estas personagens que floresceram junto com a popularização da internet em terras brasileiras, ao ponto em que ambas tenham sido retratadas de maneira bastante semelhante: projeção no meio digital; drogas; unhas descascadas espancando teclados; cigarros; dieta do miojo; olheiras; decadência.

No final das contas a vida de Raquel Pacheco parece bem mais interessante fora do que dentro do filme, já que o modelo de negócio proposto por ela leva a prostituição a outro nível de profissionalismo com o bom uso que fez da web como ferramenta. E Marcus Baldini só não levará um belo troféu abacaxi porque teve a decência de parar de contar a história no momento certo. Ao final, é até engraçado pensar que Thom Yorke e sua banda tenham liberado o uso de Fake Plastic Trees com um desconto de bônus pela boa presença em cena de Débora Secco. Se isto não é uma piada pronta, não sei mais o que pode ser.

Comentários (1)

Osnir Sotério de Lima | sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012 - 07:54

Boas atuações num filme fraco. Mas o filme é fraco porque a história de vida dessa moça é fraco. Ela tem que botar as mãos para o céu por conseguir um livro e um filme biográficos contando uma vida que não impressiona ninguém. Qualquer prostituta por aí tem histórias de vida mais dramáticas e impressionantes pra contar. Bruna é a pessoa mais autodestrutiva que já vi, diferente da maioria das garotas de programa, poderia ser o que quizesse na vida, optou por essa profissão (se é que isso é profissão) sem motivo. Realmente é uma pena que os brasileiros gastem seus escassos recursos para a cultura dando ibope para esse tipo de pessoa. Retomando, história fraca, filme fraco, bons atores e boa produção. Realmente um desperdício...

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