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Críticas

Cineplayers

Paul Feig, um humor funcional, a reverência ao original e o preconceito escancarado.

7,0
A esta altura, é de conhecimento geral o efeito explosivo de rejeição e ódio prematuro sobre Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 2016), cujo primeiro trailer alcançou um dos maiores números de “deslikes” na história do YouTube, foi ameaçado de boicote por uma gama de admiradores do longa original de Ivan Reitman, suas protagonistas foram vítimas de declarações sexistas por grande parte desse grupo e recentemente uma delas acabou sendo alvo de diversos ataques racistas em sua conta no Twitter. Principal motivo alegado: a troca de Bill Murray, Dan Arkroid, Harold Ramis e Ernie Hudson por quatro mulheres parecia ser o suficiente para que esta releitura de Paul Feig manchasse a imagem de um clássico marcante dos anos 80.

Primeiramente, é bem possível enxergar um equivoco irracional por parte dos detratores insistentes em levar o filme ao fracasso antes de sua estreia, e isso não apenas sobre a repulsa alastrada e totalmente escancarada movida quase que unicamente pela rejeição em termos personagens femininas liderando a caça aos fantasmas da vez. Sim, por ter sido um dos filmes que marcou uma geração em sua época, certamente seria difícil para os mais saudosistas não terem a chance de rever, mais de trinta anos depois, seus amados personagens nas telas. O fato é que por diversas vezes uma terceira aventura com o elenco original fora cogitada pelos envolvidos em Os Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 1984), mas como a ideia nunca ia para a frente, por que não tentar desta vez com mulheres interpretadas por atrizes em destaque no cenário atual? E se há reclamações sobre Caça-Fantasmas, a última delas será a de que o elenco feminino é um dos problemas do longa. Na verdade, bem longe disso.

E para quem conhece o cinema de Paul Feig, uma das coisas que também não pode ser dita é a de o diretor buscou criar seu hype em cima da forte presença do feminismo nos dias de hoje. Já desde Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011), Feig buscava introduzir suas personagens em situações de subversão sobre o pré-conceito clássico do que é um papel feminino. Essa constante se seguiu em As Bem-Armadas (Heat, 2013) e A Espia Que Sabia de Menos (Spy, 2015), algo que se caracterizou como uma marca do diretor. O problema dos filmes de Feig, na verdade, sempre fora o cansaço quase imediato de sua veia humorística.

Indo além e, finalmente, entrando em linhas gerais sobre o filme em questão, Caça-Fantasmas é assim tão digno de sua rejeição? Acredito que, entre o público de fato racional, a resposta será um quase unânime 'não'. E talvez ousando mais um pouco em tal afirmação, este tal público que verá o filme com olhos mais predispostos deverá também concordar, também em sua maioria, que Caça-Fantasmas é um dos projetos mais bem resolvidos de Paul Feig. Não é apenas a ingenuidade da fita que aponta as injustiças sofridas pelo projeto (sério, a coisa mais difícil será alguém se sentir ofendido), mas um fato praticamente incontestável de que apesar de buscar sua própria imagem e desapegar do longa original, Feig não deixa de reverenciar e referenciar aquele longa com extremo respeito.

Enquanto um filme de Feig, Caça-Fantasmas é isso, um filme Feig. O humor é bastante recorrente do que já se viu na filmografia do diretor, e isso lhe traz tanto pós quanto contras. Tendo o apoio de Katie Dippold ao seu lado no roteiro, um dos erros mais críticos do diretor é achar que suas piadas funcionarão tão bem na tela quanto, supostamente, funcionam no papel. Numa emulação semelhante aos filmes de Judd Apatow, muitas piadas são alongadas mais do que o necessário, onde diálogos propositalmente adeptos da vergonha alheia causam uma sensação enfadonha e um desejo de que o filme pule logo para a próxima gag; além de que me parece, no mínimo, inaceitável que alguém com três de comédia não tenha percebido que piadas sobre peido já não são capazes de despertar a mesma vontade de riso no público. Mas uma das boas surpresas de Caça-Fantasmas é que Feig finalmente pesa menos a mão nessa escatologia e foca num humor irônico e sarcástico que esteja de acordo com o que aquele universo oferece, já que o filme aposta em um número de diálogos e situações que, previsivelmente ou não, encontram eco com os ataques do qual foi alvo, isso desde a indignação da equipe pelos comentários injustos e maldosos de internautas sobre suas ações até uma bela alfinetada sobre o fato de uma das caçadoras ser negra (basta repararem na inacreditável sequência do show). O humor de Caça-Fantasmas, apesar de alguns deslizes, é bem mais objetivo do que parece.

Enquanto reformulação de uma obra já conhecida, Feig presta o já mencionado respeito ao original, construindo referências espertas e nada sutis, o que certamente fará a alegria dos saudosistas, mas também não permitindo o público esquecer que o filme é isso, uma reformulação aos moldes contemporâneos que explora novas oportunidades de se divertir com o tema. Algumas aparições irão levar esse público à loucura, assim como diversas outras referências sobre filmes de sucesso popular irão levar o público ao riso fácil e honesto.

Em trabalho contínuo com Feig desde o já mencionado Missão Madrinha de Casamento, Melissa McCarthy mantém sua veia cômica em estado de graça, e pela primeira vez, não sendo maior que os próprios filmes que estrela. Sua química com Kristen Wiig, uma vez que ambas são apontadas como o destaque do elenco, é essencial para que o foco nos dois rostos funcionem na tela, e é um alívio que o conflito inicial entre ambas seja rapidamente esquecido para que o trabalho seja feito na interação direta entre as duas atrizes. Mas não se engane. Apesar das ótimas presenças destas duas e de uma chamativa Kate McKinnon como a integrante “malucona” do grupo, é Leslie Jones, a integrante negra, que rouba os holofotes. Mais curioso ainda é notar a posição de Jones no filme: sua personagem não é uma cientista como as outras e muito menos detém um conhecimento vasto sobre fantasmas, mas se integra rápido na equipe e prova que pode ser tão capaz quanto as outras de exercer o trabalho. É uma crítica que pode passar despercebida a vários olhos, mas que certamente merece ser notada tanto quanto a presença forte de Jones. E fechando, é extremamente prazeroso ver que talvez o melhor papel da carreira de Chris Hemsworth até aqui seja a de um ajudante desmiolado, atrapalhado, burro e surge como uma objetificação para as mulheres. O ator está realmente hilário.

Acertando no visual cartunesco e colorido dos fantasmas (até nisso o diretor insere um saudosismo) e cometendo só mais um pecado de resumir o clímax a um festival de correria e CGI, Caça-Fantasmas passa muito, muito longe de justificar a raiva prematura promovida pelo público preconceituoso e afobado. É um entretenimento bastante funcional dentro do que se propõe, sem qualquer força para ofender em seus 120 minutos, mas perfeitamente capaz de divertir até o acender das luzes. Se não é memorável, e nem o faz questão de ser, ao menos já fincou seu lugar no rol das obras que, mesmo com um histórico desagradável, apontam o tão condenado machismo e sexismo em grande parte público. E por si só, isso já faz de Caça-Fantasmas uma válida diversão com algo a denunciar. Ponto para Paul Feig.

Comentários (8)

Arthur Brandão | quinta-feira, 21 de Julho de 2016 - 19:32

Até porque no fim das contas não importa se são homens, travestis, mulheres ou carneiros, importa o filme ser bom ou não. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Alexandre Carlos Aguiar | quinta-feira, 21 de Julho de 2016 - 20:49

Sim, Arthur, mas é exatamente esta a polêmica. A crítica aí acima mostra bem isso, o quanto houve de manifestações contrárias.

Liliane Coelho | sexta-feira, 22 de Julho de 2016 - 10:07

O filme é muito legal e divertido. Adorei as participações dos atores do filme original.

E é horrível perceber o pensamento medieval de muitos internet afora, boicotando o filme porque houve a troca dos personagens principais homens por mulheres ou promovendo uma campanha racista covarde contra Leslie Jones (que é ótima, por sinal).

Arthur Brandão | sexta-feira, 22 de Julho de 2016 - 20:15

É um preconceito e pensamentos bestas, implicância de uns véio paia e uns modinha, no fim das contas queremos é um filme divertido e bom, que represente e honre o que foi o clássico Caça-Fantasmas, que apesar de todos os clichês e tudo mais era divertido pra caramba 😏

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