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Críticas

Cineplayers

Os segredos da classe média.

6,0
Numa festa de família de classe média brasileira, tudo parece nos conformes: todos em harmonia cantando músicas bregas no karaokê, pai e mãe demonstrando afeto, filhos sorrindo. Talvez o pai esteja meio alto depois de beber um pouco além da conta, e talvez o sorriso da mãe não seja condizente com seu olhar cansado, assim como parece haver uma rusga entre os filhos em momentos pontuais. Aos poucos, esses detalhes que chamam a atenção em meio àquele cenário tradicional onde tudo está em seu devido lugar começam a romper a fachada, e nisso o diretor Caio Sóh se insere em sua observação pertinente no filme Canastra Suja (idem, 2016). 

Se no cinema americano é comum esses filmes que se infiltram sobre o que há de podre e escuso por trás da fachada de família comum, no Brasil a classe média ainda é tratada na maioria das vezes em dicotomias que separam categoricamente os vilões e os mocinhos, sendo que na vida real a maioria é um pouco de cada. Sóh parece interessado em desconstruir esses padrões através de problemas-chave que assolam a realidade cotidiana da sociedade brasileira, desde o alcoolismo, passando pelo autismo não corretamente tratado, até o clássico caso de adultério. A ideia é usar desses males para romper a obviedade e explorar as nuances dos indivíduos que compõem uma família. 

Até certo ponto, Canastra Suja é bem sucedido nessa investida, explorando com competência o drama do pai alcoólatra, da mãe adúltera, da filha problemática, do filho que não quer trabalhar e não amadurece. O grande problema é como esses dramas cotidianos acabam por definir os personagens, nunca permitindo a eles serem observados fora dessas questões. São todos personagens que só existem em função do conflito, do embate, desenhados a partir de uma doença, de uma fraqueza. A humanidade deles é muito limitada, mesmo que o diretor se preocupe em mostrar os vários lados que cada um é capaz de mostrar. 

Grande responsável por tornar tudo muito atraente e real, o elenco se desdobra mesmo diante de um texto limitado. Marco Ricca está em um dos seus melhores momentos e não permite que seu personagem caia numa caricatura de pai alcoólatra tão desgastada no cinema nacional, o que certamente ocorreria com um ator menos preparado, experiente ou talentoso. Adriana Esteves traz sua experiência com novelas e compõe uma mãe de família mais histriônica, contudo sem nunca ultrapassar a modulação correta da personagem. No limite do over, a atriz sempre consegue escapar do exagero grosseiro, e chega a ser interessante notar como ela caminha nessa corda bamba do começo ao fim sem descambar. Pedro Nercessian e Bianca Bin, como os filhos disfuncionais padrão, tem cada qual pelo menos um momento para brilhar. 

O que atrapalha é a montanha russa que intercala momentos mais intimistas com barracos dignos de novela mexicana, com vários personagens se estapeando, muito choro compulsivo, muitas ameaças cruzadas e todos os ingredientes excessivos que levam o filme para longe daquela observação proposta no inicio, sobre as fissuras cotidianas que minam a estrutura familiar aos poucos até rompê-la de vez. Ainda assim, em certo nível, proporciona esse panorama geral da família média brasileira, sempre muito cheia de discursos virtuosos sobre valores morais, mas acometida em seu interior por uma frustração crônica e uma agressividade e egoísmo capazes de moldar toda uma sociedade em momentos de crise – como se vê muito bem no caos político e social brasileiro dos últimos tempos, sempre orquestrado em nome da salvação da família. 

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