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Críticas

Cineplayers

Comédia de costumes que investiga o cotidiano de mulheres libanesas divididas entre viverem os valores orientais e os ocidentais.

5,5

Qualquer sinopse de Caramelo já avisa: a referência para o título do filme vem da mistura de açúcar, limão e água, velha receita oriental usada para depilação. Como metáfora, a cera de caramelo propõe também a revelação de um dos poucos códigos ainda resguardados da intimidade feminina, como um bilhete de entrada nesse universo.

Nadine Labaki (que também atua na película) dirige este filme inclinada a pensar as várias facetas da feminilidade numa sociedade ainda arraigada nas tradições – tanto católicas quanto muçulmanas – e o processo de ocidentalização dos costumes que insere novas preocupações e responsabilidades a estas mesmas personagens. Usando o espaço do salão de beleza como ponto de encontro entre estas mulheres de várias idades e posturas, captura algumas delicadezas e convida o espectador menos inteirado com as questões femininas a repensar posturas. Aos ocidentais – e não é caricato usar este conceito para falar do filme – alguns valores também são apresentados sob a ótica de uma sociedade ainda muito fiel à questões familiares e de gênero, mostrando a importância de temas como virgindade, casamento e homossexualidade ainda hoje.

À primeira vista alguns cinéfilos provavelmente rejeitarão temáticas já um pouco desgastadas como estas e a referência caramelizada ligando doçura ao sexo feminino. Mas, abrindo espaço aqui para alguma subjetividade, o contraponto que fiz entre Caramelo e o curta Entrevistas, da brasileira Helena Solberg (que tive o prazer de assistir há poucos dias) liga as mesmas questões à posturas cinematográficas diferentes, sendo Solberg uma das únicas cineastas surgida na década de 1960, debatendo os mesmo temas que Labaki, com menos açúcar e mais ironia, além de uma grande ajuda da montagem de Rogério Sganzerla que transforma o documentário numa experiência também estética.

No filme libanês a estética mantém-se em terreno seguro, com fotografia amarelo-queimada em mais uma referência à cera de caramelo, produção e figurinos coerentes com destaque para a utilização de não-atores (dizendo melhor: não-atrizes), o que ajuda a vestir os personagens com credibilidade, ganhando pontos no quesito identificação.

O roteiro gira em torno de cinco mulheres e seus mais recentes problemas: a jovem Layale (Nadine Labaki), que trabalha no salão e ainda mora com os pais, mantém em segredo o relacionamento com um homem casado ao mesmo tempo em que despreza os cortejos do guarda de trânsito (Adel Karam) que vive a lhe sondar; a muçulmana Nisrine (Yasmine Elmasri), a poucas semanas de seu casamento se vê aflita com a questão de que suas experiências sexuais anteriores prejudiquem o andar do enlace; Rima (Joanna Moukarzel) é pouco feminina e trabalha tranquila como faz-tudo do salão até que a visita de uma cliente misteriosamente bonita a faz interrogar sua própria sexualidade; Jamale (Gisèle Aouad), uma quarentona que vive em busca de testes para comerciais e papéis na TV, gasta todas as suas energias em função de arranjar subterfúgios para esconder a idade e as inevitáveis marcas do tempo; enquanto Rose (Sihame Haddad) se divide entre os trabalhos no ateliê de costura e os cuidados com a esclerosada irmã - e principal coadjuvante – Lili (Aziza Semaan), em uma relação de amor e ódio que a faz rejeitar talvez a última oportunidade que o amor lhe traz.

Talvez o grande pecado deste roteiro seja colocar todas as protagonistas em conflitos de ordem amorosa ou sexual, dos quais nem a maluquinha Lili escapa, já que passa os dias catando papéis pelas ruas julgando serem cartas de um namorado que há muito desapareceu. No mais, e como bem supõe a idéia de um salão, o universo feminino só escapa dessa temática para a da vaidade dos muitos cuidados, penteados e depilações, componente acessório dos problemas relacionados ao sexo masculino.

Assim é que a investigação de Labaki talvez falhe em seu propósito, ainda que Lili e a beleza das atrizes mais jovens sejam gostosas de serem vistas. Detalhe para o barulho das pulseiras de Layale, para a produção de cenários e figurinos e para a cena da procissão católica que invade o salão, que em alguma medida faz lembrar Cinema Paradiso.

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