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Críticas

Cineplayers

De estranha, a nova Carrie não tem nada.

2,0

O material tem peso. Foi o primeiro romance de sucesso de Stephen King, e nos cinemas foi o filme que botou Brian De Palma e John Travolta no mapa. Carrie – A Estranha, a história da menina vingativa que sofre ridicularizações na escola, filha de uma fanática religiosa, e portadora de habilidades telecinéticas, até hoje tem um apelo popular inegável.  Talvez a ideia de reaproveitar essa personagem tenha surgido com um tema hoje tão em voga, como o bullying, que na prática sempre existiu (e sempre existirá), mas que só agora anda ganhando mais atenção de pais e especialistas. Se na trama original, a garota simbolizava de alguma maneira a dificuldade dos jovens em crescer, acompanhar as mudanças no corpo e na mente, lidarem com os pais, fazerem amigos e serem aceitos, em Carrie - A Estranha (Carrie, 2013), de Kimberly Peirce, ela vem como a estilização e suavização de um universo muito mais caótico e doentio, saído da mente de Stephen King.

Nessa nova onda hollywoodiana de “atualizar” clássicos, nota-se uma tendência um tanto perigosa, de suavizar e super produzir o material original, a ponto de distorcê-lo e descaracterizá-lo. Para citar um exemplo recente que foi além do fundo do poço, temos A Fera (Beastly, 2011), uma releitura do conto de fadas da Disney, em que o garoto, ao supostamente se transformar em uma besta medonha após uma maldição, mantém ainda o sex appeal e acaba por se mostrar um monstro atraente demais e, portanto, nem um pouco difícil de atrair o coração (ok, não exatamente o coração) da Bela. Em breve teremos a releitura de Frankenstein, e nas primeiras imagens divulgadas já se nota que de monstro, o personagem não terá nada, mas se sairia muito bem como “go go boy”. Carrie sofre do mesmo mal nas mãos da diretora Kimberly Peirce, que pra começar escalou Chloë Grace Moretz para o papel principal. Por mais que seja uma atriz talentosa e promissora, Chloë em momento algum convence como Carrie, pois não há cabelo desgrenhado e cara de zumbi que a faça parecer uma garota excluída e, por fim, estranha. Ela é simplesmente carismática demais e bonita demais para o papel, ao contrário da composição genial e horripilante da já naturalmente feiosa e desengonçada Sissy Spacek, que caiu como luva para o papel.

A partir do ponto em que não temos uma Carrie estranha, a receita já começa a desandar, e para ajudar tem Julianne Moore no papel da mãe ensandecida. Como que se fosse uma batalha de egos, as duas atrizes contracenam apostando no overacting e o embate mãe e filha acaba soando como uma estranha mistura de novela da tarde com um toque paranormal trash. Fora isso, no momento da virada, quando Carrie se veste e fica arrumadinha para o baile, o filme inexplicavelmente começa a sensualizar a atriz, que passa a se tornar a típica vadia vingativa dos filmes adolescentes à lá Meninas Malvadas (Mean Girls, 2004). Não há nenhum cuidado com os dramas da personagem, ela é simplesmente uma aberração que vai de Chucky à Regina George em menos de um minuto.

O que se nota a partir disso tudo é uma direção inócua e um roteiro pífio, que tem medo de soar grotesco ou doentio demais (como o romance de King exige) e ameniza toda a história, estilizando Carrie e estereotipando a mãe dela. Pior, é um filme machista, pois anula a mensagem original do poder feminino (a associação entre a primeira menstruação de Carrie com o desenvolvimento de suas habilidades telepáticas) e faz do horror um objeto de desejo. O rito de transição de menina para mulher (para Carrie ainda inexplorado e confuso, enquanto para a vilã Chris um assunto já há muito ultrapassado) e o uso dos poderes do sexo feminino não significam absolutamente nada, até porque Chris não passa de uma piranha subjugada pelo namorado.

A diretora e o roteirista podem até ter entendido que, em essência, o livro de King aborda o desabrochar feminino e as descobertas de uma menina que vai se tornando mulher, mas na prática o que tentaram fazer foi usar essa questão sexual para minimizar as personagens, que no geral são estereotipadas como a virgem, a vadia e a frígida. A tentativa de trazer uma abordagem sobre o bullying, tão já desgastada por outros filmes-bomba lotados de merchandising social, também não decola e o terror em si não funciona em nada (a sequencia da humilhação pública de Carrie, seguida pelas investidas de vingança da garota são um bombardeio de efeitos visuais entediantes). Claro que ninguém esperava algo no nível da obra-prima de De Palma/King, mas a tentativa de apresentar Carrie à nova geração adolescente foi mais do que frustrada por uma dupla que parece não entender nem ao menos o básico, a começar pelo fato de tentarem nos enfiar goela abaixo uma Carrie que de estranha não tem nada – é apenas uma garota tímida que precisa dar um trato no visual e no guarda-roupa.

Comentários (13)

Raphael da Silveira Leite Miguel | quarta-feira, 18 de Dezembro de 2013 - 00:22

Cara, pra ser pior que o de 2002 tem que fazer esforço viu, uma pena!

Não dá pra admitir um segundo remake mal-feito com bom elenco, efeitos de primeira e tudo mais.

Flavia Cristina | quarta-feira, 12 de Fevereiro de 2014 - 00:47

Eu falei que remake de Carrie - A estranha ia dar xabúuuuuuuuu. Nem o pano de fundo que era o Buyilling iria funcionar da maneiria adequada...A sinopse do filme já não ajuda pra 2013, pra 1976 caiu como uma luva, agora em pleno século 21 é difícil acreditar que ainda existam meninas que não saibam o que é menstruação. Isso me soa a patético, nem assiti ao filme tudo, pulei logo pras últimas partes. Pena que Chloe e Julianne tiveram estas bombas pra manchar o currículo. A veterana até que não sente, mas a novata já havia participado do mico Sombras da noite...Coitada. Mas enfim, o filme não tinha como funcionar mesmo pelas razões já citadas na crítica. 😠

Luiz F. Vila Nova | domingo, 23 de Fevereiro de 2014 - 13:52

Apesar dos pesares, gostei do filme. Concordo com a suavização da personagem, porém discordo com a \"sensualização\" da protagonista na cena da formatura, que é boa e respeita o estilo adotado no original, apesar de não ter a genialidade desta. Juliane Moore esta ótima no papél também, apesar de um passo atrás da composição soberba de Piper Laurie. Nota: 5,0.

Paulo Faria Esteves | sábado, 08 de Agosto de 2015 - 12:54

A Carrie voa. V-O-A. Daí vocês já conseguem tirar o tamanho da besteira que é esse filme.

Caham, vamos chamar as coisas pelos seus nomes, pode ser? A Carrie não voa propriamente; levita. É diferente. Se ela levitar por sua própria vontade é "besteira" ou não, isso já é outra história. Mas ela "só" levita...

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