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Críticas

Cineplayers

Aquela que não deixou-se notar.

8,0
O absurdo é a razão lúcida que constata os seus limites.”
O Mito de Sísifo
Albert Camus

O alemão Max Ophüls, em terras americanas, evoca Viena e filma uma comovente história de... amor?

Ophüls tem um estilo de filmagem muito característico. É um diretor que preza pela elegância da narrativa e de seus cenários, buscando sempre esmiuçar a emoção de seus personagens a partir de movimentos de câmera bastantes específicos. Nesse ponto, é quase mecânico. Na lógica do filme, é natural e funcional. O diretor também é roteirista, ainda que não tenha escrito esse Cartas de uma Desconhecida. A ambientação europeia, a luxúria de seus personagens e a trilha que, reforçada por um protagonista pianista, passa por Liszt, Mozart e Wagner. Todos esses são atributos que solidificam a distinção de seu descarado melodrama romântico, baseado no romance de Stefan Zweig.

Um homem encontra uma carta durante uma noite solitária em seu apartamento. Nela, as primeiras palavras sugerem que sua escritora possivelmente esteja morta. Há um grande relato imediatamente após essa primeira frase, o qual acompanharemos a partir de uma narração em off. A história toda nos é contada por uma voz feminina bastante doce, ainda que amargurada. Flashbacks então se somam, reconstruindo as descrições detalhadas. Adentraremos nesse romance por suas vias de sentido emocional, invocando na memória de seu leitor atordoado as lembranças de amores, especialmente um que jamais compartilhou, ou conseguiu notar.

Viena é contextualizada durante o início do século XX. Carruagens transitam por meio de edifícios ostentosos. Um homem, Stefan Brand, promissor pianista, mostra-se ser um galanteador, um conquistador barato em noites pós-concerto. Aproveita-se da fama. Ele afirma não conseguir cumprir com suas obrigações, sendo sempre levado pelo que o presente oferta. Tal homem desperta o interesse de uma adolescente que inocentemente se apaixona, como adolescentes costumam se apaixonar por seus ídolos. A questão é que não é uma paixão ou uma admiração casual e passageira. A coisa toda se delonga, influindo em expectativas, o que gera empatia por sua personagem, enquanto essa mesma é bombardeada por diferentes opiniões sobre relacionamentos. Mas nela reside a convicção de um amor, confiança que se arrastará por décadas, insistentemente. Para nós, um absurdo. Ela rola a pedra por uma montanha e logo a vê despencar.

Ela abre mão de tudo. Família. Sonhos. Um convite de casamento. À espera da consumação do afeto, perde-se em seu fascínio. Em conclusões apressadas, é o retrato do machismo, da mulher subjugada aos pés de um homem. Em outros aspectos, compreendo duas esferas: o filme de Lisa e o filme de Stefan. O dela, com seu deslumbramento doentio e total dedicação àquele que crê amar. E o filme de Stefan, que elabora seu passado a partir de tudo o que lê, e sua ruína pessoal ocasionada pelas decisões que acarretaram seu insucesso.

Joan Fontaine, bastante jovem, assume o papel da apaixonada Lisa Berndle. Maravilhosa em seus encantamentos – as cenas em que observa Stefan com olhar maravilhado são expoentes do filme –, vive diferentes fases numa maturação ressentida de uma personagem entregue às idealizações de um romance até quando finalmente o experimenta. Tudo nela são idealizações. Tudo em volta de seus personagens são ideais. As viagens, os planos, tudo se refere ao futuro. Parece que somente Stefan não planeja.

E para obviamente não trazer nenhuma revelação importante sobre o filme, apenas lembro de duas cenas importantes que são análogas, em que uma promessa de retorno em duas semanas são prometidas em dois importantes instantes, numa estação. Os resultados de ambas são devastadores, fazendo da história um drama sentimental assolador. Note, ambas são promessas para um futuro. A espera castiga.

Amor, obsessão, pulsão, entrega... Aqui pouco importa o que é esse sentimento de Lisa. Já as frações deste sentimento, sim, importam, pois são elas que estruturam o sentimentalismo quase piegas da obra. E sendo exageradamente melodramático – certamente será interpretado assim por alguns –, é inevitável que pensemos que tal pieguice retratada seja convincente, pois funciona no filme. Ainda hoje, quase 70 anos depois de seu lançamento, ainda funciona. É o típico trabalho que agrada devido a suas fragilidades, simplicidades e limitações eruditas, pela gênese de uma paixão impulsiva, traduzida como amor romântico. Dois grandes atores contribuem com atuações convincentes, expressando com sinceridade uma vulnerabilidade reconhecida por todos nós.

Comentários (2)

Matheus Johan Darswik Rodrigues Barbosa | terça-feira, 22 de Março de 2016 - 19:02

As críticas cinematográficas que você escreve são elegantes e profundas Marcelo,seus textos são altamente apreciáveis,você tem um talento notável.

Marcelo Leme | quarta-feira, 23 de Março de 2016 - 10:14

Ora, muito obrigado pelo gentil elogio, Matheus. É bom saber que aprecia e que está sempre acompanhando nossos textos.

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