Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um olhar sobre o populismo no Irã.

7,0

O populismo é encarado como um mal à saúde da democracia. O tema central de Cartas ao Presidente é justamente esse, usando como ponto de partida as cartas que os iranianos escrevem para seu presidente, o polêmico Mahmoud Ahmadinejad, a fim de pedir ajuda para solucionar seus problemas. O diretor Petr Lom acompanhou de perto viagens do governante por cidades pobres do país para conversar com a população, que aproveita a ocasião para escrever as cartas e entregá-las aos assessores encarregados de encaminhá-las aos jovens responsáveis pela leitura e resposta dos pedidos. 

Grupos de estudiosos apontam os cuidados que se deve ter ao aceitar como verdadeiros os fatos que a imprensa transmite às pessoas no cotidiano. Isso porque a notícia passa por diversos filtros antes de chegar ao consumidor final, como as orientações de seus anunciantes, as visões pré-estabelecidas dos editores, e os métodos de quem produziu a reportagem. Por isso, sempre é bom um pouco de ceticismo em relação às notícias sobre assuntos de grande importância, como é caso da editoria política. Essa distorção, natural – mas nada louvável - do atual fazer jornalismo é o que torna documentários como esse interessantes, pois as produções cinematográficas são capazes de mostrar detalhes que nenhum programa de televisão tem interesse em expor.

Estruturalmente semelhante ao documentário A Revolução não será Televisionada, sobre a tentativa de golpe contra o presidente venezuelano Hugo Chávez, Cartas ao Presidente vem para inocentar um pouco as críticas a imprensa ocidental, que ao menos dessa vez parece retratar com o mínimo de isenção a questão do populismo de Ahmadinejad. Ou será que as escolhas do cineasta partiram de uma visão preconceituosa e pré-estabelecida sobre o assunto com o intuito único de comprovar sua tese? Não parece ser o caso.

O governo iraniano afronta a democracia com o controle pesado sobre seus cidadãos, principalmente os mais pobres, que declaram para as câmeras o amor que sentem pelo presidente. Pena que nem todos os relatos de admiração transmitem verdade. Essa parcela mais humilde da população é orientada, provavelmente sem nenhuma educação, a não falar mal do governo para os estrangeiros, como lembra uma humilde senhora à mulher que depunha para as câmeras. Enquanto os menos favorecidos defendem com fervor seu presidente e suas ideias, como a bomba atômica temida pelos Estados Unidos, os ricos parecem ter permissão para falar o que pensam.

São eles que criticam abertamente o presidente, falam mal de sua política econômica, de sua postura etc. Não fosse a clara manipulação de mentes que o governo iraniano exerce sobre os pobres, seria dubitável as muitas críticas ao governo de Ahmadinejad, pois assim se assemelharia bastantes ao que ocorre em muitos países comandados por governos populares – e não populistas -, como é o caso da Venezuela e também do Brasil. Nesses dois países, principalmente no primeiro, os detentores de informação e formadores da opinião pública, ou seja, os donos de conglomerados de comunicação, são parte de uma elite intimamente ligada aos partidos que prezam pelas políticas voltadas ao interesse de uma minoria abastada.

Mas Cartas ao Presidente parece bem verdadeiro na retratação da triste – ainda mais porque o povo parece não perceber que está sendo enganado – realidade do Irã de hoje. O trabalho do diretor Petr Lom foi vistoriado de perto, e ele foi obrigado a provar a todo instante que tinha autorização para as filmagens, contrariando outro cidadão que dissera que em seu país com certeza ninguém havia tentado impedi-lo de filmar, como prova da perseguição da mídia ocidental com seu povo. O problema é que, por vezes, os argumentos das pessoas faziam sentido, principalmente quando diziam respeito ao possível interesse dos EUA em denegrir a imagem do Irã para não terem problemas no futuro com o fornecimento de petróleo, assim como fizeram com o Iraque. Entretanto, logo em seguida, víamos o presidente dizer do orgulho que as famílias deveriam ter de seus filhos suicidas e incitar a multidão a gritar “morte aos EUA, morte a Israel”. O próprio Ahmadinejad afirmou, tempo atrás, que o Irã deveria varrer Israel do mapa.

Por mais que se julgue Cartas ao Presidente com olhar cético e desconfiado, torna-se difícil não sair do cinema convencido de que no caso do Irã o populismo é real e prejudicial às liberdades e ao desenvolvimento do país. Fundamentalismos são sempre perigosos, ainda mais quando misturam política e religião. O principal triunfo do documentário é levar um pouco do Irã para outros lugares do mundo, sem parecer manipular uma realidade para atender interesses quaisquer. 

Comentários (0)

Faça login para comentar.