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Críticas

Cineplayers

Surpreende por ser algo jamais esperado de Soderbergh: um filme covarde.

4,0

O fracasso desta segunda parte do épico de Steven Soderbergh era previsível, especialmente pela necessidade imposta por seus realizadores de conceituar a obra como um filme diferente de Che, que entrou em cartaz no início do ano e que, apesar de ter um número praticamente equivalente de qualidades e defeitos, consegue se manter como um filme minimamente interessante, por fazer valer a força de suas seqüências de ação para a composição de um sólido filme de gênero, mantendo a figura de Guevara em segundo plano e assim, protegendo-a do planfetismo barato. O curioso é que, ao contrário do que poderia se imaginar, os motivos para o naufrágio deste Che - A Guerrilha são justamente opostos aos que pareciam se desenhar através dos conceitos e informações que envolvem esta continuação.

Soderbergh optou por deixar de lado neste seu segundo filme sobre o revolucionário latino o cinemascope classicista que havia utilizado para a captação de imagens de Che. No lugar do belo formato com escala de 2.35:1, o diretor compõs seus quadros em aspecto 1.85:1, registrado através de uma câmera digital Red One, com a qual buscava uma diferenciação estética em relação à obra anterior. Com um dado destes, a expectativa para esta seqüência só poderia ser a pior possível. Primeiro por estar errando em tirar da tela um dos verdadeiros méritos do primeiro filme: a precisa composição de quadro, que aproveitava as extremidades da imagem e deixava as seqüências de combate e treinamento na floresta ainda mais cinematográficas e, consequentemente, mais interessantes. Segundo porque, ao apostar em um novo sistema de captação de imagem, Soderbergh insinua estar em meio a um daqueles projetos erráticos aos quais ainda insiste em retornar de semestre em semestre e que raramente dão certo (a exceção é Confissões de uma Garota de Programa).

A primeira suposição se confirma logo nos primeiros minutos: A Guerrilha perde muito em aproveitamento estético se comparado à primeira parte. O filme é apático, insosso, sem qualquer criatividade na mise-en-scène e prejudicado constantemente por uma montagem carregada e sem fluência, que parece dilatar cada vez mais a duração das cenas. Porém, ao contrário do que era insinuado por suas características técnicas, o verdadeiro motivo do fracasso do filme não é conseqüência da erraticidade, do anti-formalismo ou do senso de rebeldia extrapolado de Soderbergh, e sim de um raro lapso de covardia – coisa que poderia ser esperada de muitos diretores contemporâneos de cinema, mas jamais dele, que por mais errado que pudesse soar sempre mantinha seu caráter birrento e ousado, procurando diversificar ideias e trabalhar conceitos de estrutura narrativa e abordagem diferenciados em relação aos habituais da produção cinematográfica comercial estadunidense.

A Guerrilha, ao contrário da maior parte de sua obra, é apenas um filme medíocre, que poderia ser feito exatamente da mesma forma por qualquer outro diretor. Pode-se odiar Bubble, O Segredo de Berlim ou Confissões de uma Garota de Programa, mas este é um filme que não consegue despertar nada além do desprezo. Nem mesmo ódio. São duas horas de um filme sem qualquer interesse, acadêmico, praticamente nulo de ação (e não me refiro a tiros e explosões, embora estes também pareçam ter sumido da frente de Guevara mesmo em um filme que leva a guerrilha que causou sua morte no título, mas sim a qualquer ação que seja minimamente relevante à evolução do filme – lembrando que o roteiro foi em parte escrito por Terrence Malick, especialista em dilatação do tempo e poesia visual) e que, não suficiente, consegue ser covarde a ponto de utilizar-se do caráter humanista de seu personagem para fazer o espectador finalmente comprar sua ideia, o que faz com que o filme termine soando como um afronte se comparado à funcional sustentação da imagem de Che do anterior.

Soderbergh, ao invés de manter a aposta na inteligente saída de Che, que mescla a figura do revolucionário homônimo ao filme à ação e, assim, evita a exposição excessiva de características que normalmente são utilizadas para sua superexaltação, insiste em retornar, em A Guerrilha, às convenções de discursos enobrecedores a Che Guevara – ou qualquer outro importante personagem histórico homenageado por Hollywood no Cinema. Guardando posições políticas no armário – afinal, não cabem a um texto sobre Cinema – o que pode ser registrado é mesmo a surpreendente covardia do diretor, que ao invés de deixar as conclusões em aberto, escancara as lentes de sua câmera para a exaltação do caráter humanista de Guevara, pintando-o no terceiro ato – depois de uma hora e meia de vazio cinematográfico intenso e aborrecido - como um herói convicto através de diálogos posicionados estrategicamente para fazer o espectador comprar a carga emocional necessária para que o final – do qual todos temos conhecimento – funcione.

É então que ouvir um “Eu acredito no ser humano” sair da boca de Benício Del Toro pouco antes de seu personagem ser fuzilado deixa com a sensação de que o primeiro filme, por suas virtudes, era melhor do que se imaginava. Em comparação a este A Guerrilha, então, é quase uma obra-prima. Por maior que seja a lista de problemas, ao menos havia nele coerência suficiente para saber lidar com os signos dos quais dependia sem perder o controle sobre eles.

Já A Guerrilha inicia com um Guevara disfarçado com calvice falsa, óculos de lentes e roupa civil e termina com um close no rosto de Del Toro reconstituíndo precisamente os traços icônicos do personagem em questão – mesmo depois de ele já estar morto. Saída fácil que parece pronta para agradar aos fãs de Guevara e que, como anuncia o interessante plano do assassinato (um dos poucos traços soderberghianos do filme), é praticamente um tiro na cara do coitado do espectador.

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