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Colo

(Colo, 2017)
7,9
Média
12 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Andando em círculos perfeitos.

8,5
Os desdobramentos da crise econômica mundial estão começando a se refletir no cinema produzido hoje, e se fazem perceber muito mais na Europa, onde o Velho Mundo foi tomado de assalto por problemas que jamais imaginariam passar. Desde a década passada, os irmãos Dardenne utilizam sua Bélgica local pra falar explicitamente dos efeitos humanos de algo não-palpável, mas agora que os irmãos belgas começam a se desprender do tema e as consequências da crise se enraizaram pelo continente, as cicatrizes começam a se expor. 

Já Teresa Villaverde é uma criatura estranha ao nosso circuito e, tirando por seu novo filme, só temos a lamentar. Dona de extensa filmografia, só agora Teresa consegue uma vaga nos nossos cinemas e a torcida é para que a descubram como vem acontecendo com Paul Vecchiali. Seu olhar sobre a crise pode até não ser necessariamente novo, mas com certeza tem a humanidade necessária ao tema, mesclando com suavidade metáforas e linguagem direta na ambição alcançada de radiografar os esforços de reconstruir o que a economia destruiu.

Teresa filma os espaços ocos no qual inseriu seus personagens de maneira sufocada. A vida ali é uma prisão, ainda que os ambientes estejam abertos e possam ser amplos. Nada além é visto, e os limites são mais limitados do que o que os olhos possivelmente veem. A ideia da fotografia é enquadrar e cercear, não permitindo um olhar amplificado sobre nada nem ninguém. Os próprios personagens têm um campo de visão limitado, também imposto pela acertada composição dos planos, sempre aproximados e fechados. A montagem realiza um trabalho de corte seco, sem grandes arroubos de linguagem em esquema proposital, tendo em vista os horizontes inexistentes dos tipos. Isso ocorre até a chegada de um único personagem liberto de obrigações, e que parece ter encontrado um sentido no retorno ao básico, que talvez seja o correspondente ao que é certo. Apesar de aparentar sazonalidade, o homem com horizontes chega para provocar ruptura na falta de certeza geral. 

Pai. Mãe. Filha. Esse é o núcleo familiar de Colo, conciso e ao mesmo tempo síntese de uma era. De início claustrofóbico, Teresa vai abrindo seu escopo para mostrar que a apatia vai além daquele apartamento, movendo-se pela sociedade como um polvo. Na sala de aula, na boate, na padaria, tudo é terra devastada em busca de nutrientes. E isso é observado primeiro entre aquelas quatro paredes co-habitadas por três pessoas cada vez mais estranhas, apesar dos laços de sangue e afeto iniciais. Na primeira cena, os adultos se desencontram e gritam um pelo outro. Precisam um do outro, para manter o sentido de tudo e fazer valer a manutenção do que existe. Se perdem isso, qual a razão de continuar? Aos poucos os diálogos a respeito da crise tomam a tela para explicitar o que já estava claro pelos rostos, corpos e letargia. Mal se tocam, e com isso não se entendem... até a inevitável explosão.

O universo da filha é mais habitado. Inclui escola, boate, uma amiga grávida e desesperada, e um pássaro. Algum sexo também, sem compromisso como convém a uma narrativa sem esperança. A menina tem com que se ocupar: a gravidez da amiga, a vida do passarinho, um fio para tentar unir aqueles pais estranhos, entre si inclusive. O caminho por esses lugares dignos de pena e as ações de rebeldia que ainda restam à adolescência e que a identificam (o vômito na escola, a cerveja desregrada, a fuga de casa) são vetores que mostram sinais de vida ainda pulsante na geração seguinte, um alerta de que tudo pode ainda voltar ao seu lugar de origem. Quando seu universo começar a ruir e todas essas ralas certezas vierem a faltar, o filme começa a desenhar o que talvez seja seu pulo do gato e seu pior esclarecimento: à juventude também sobrará nada.

Talvez Teresa não busque mesmo respostas com seu longa, apenas alternativas para o horror da crise, de qualquer crise. Sua atmosfera de escuros e mais escuros ainda não é afeita à luz, às respostas. Consciente de que nenhuma crise se revolve com o transitório, a portuguesa observa seu país e as relações entre suas crias de maneira livre; a verdade de hoje não é a mesma de amanhã. É nesse tom opaco de estar sempre se repetindo que Colo encontra reverberação, já que suas cores nunca são vívidas. Eles precisam bem menos que viver em cena, eles só precisam estar. E saber estar. 

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