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Críticas

Cineplayers

Sonhos em pinturas a óleo.

7,5
A animação Com Amor, Van Gogh (Loving Vincent, 2016) já denuncia em seu próprio título o caráter de homenagem e tributo a um dos maiores artistas de todos os tempos. Anunciada como revolucionária, por misturar a técnica de rotoscopia sobreposta por milhares de pinturas feitas à mão por uma equipe diversa de animadores, a iniciativa chama a atenção principalmente pela aproximação que procura trazer entre o cinema e a pintura, artes tão distintas e mesmo assim cheias de pontos em comum. Retratando os últimos anos de vida do pintor holandês, os diretores Dorota Kobiela e Hugh Welchman resumem toda a empreitada na simples ideia de declaração de amor à arte. 

As características barrocas de Van Gogh inspiram não de hoje inúmeros cineastas em composições de quadro, e inclusive muitos se sentiram motivado a fazer homenagens diretas a ele, como Woody Allen em Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011), Akira Kurosawa e Martin Scorsese em Sonhos (Yumi, 1990), Maurice Pialat em Van Gogh (idem, 1991), além de uma cinebiografia dirigida por Robert Altman e estrelada por Tim Roth também nos anos 1990. Contudo, a experiência mais física e próxima entre o cinema e a arte do pintor tinha sido realizada em um curta experimental do francês Alain Resnais nos anos 1940, no qual ele partida dos quadros estáticos de Van Gogh e lhes adicionava os movimentos e insinuações de histórias próprios do cinema. 

Ao contar a história do próprio artista por meio de suas pinturas, a animação de Kobiela e Welchman tem como ambição refletir os sentimentos e histórias dele em suas próprias manifestações artísticas. A escolha da animação como gênero não é mera coincidência ou sequer se resume a uma ambição de aproximar estética e estilisticamente frames de cinema com imagens pintadas, mas sim uma opção que potencializa ao máximo o alcance das pinceladas de Van Gogh. Muito adepto de retratar naturezas-mortas através de cores vibrantes e traços expressionistas, o pintor atribuía uma atmosfera onírica a paisagens comuns. Essa impressão de uma visão particular sobre o cotidiano, própria de qualquer artista, casa muito bem com a tradição do cinema de animação, o mais livre que pode existir em cores, traços, ângulos, formas e texturas. 

O chamariz de toda a produção está na dificuldade e perícia técnica em captar digitalmente a expressão de atores e aplicar sobre esses esboços as camadas de tinta a óleo de forma artesanal, um trabalho minucioso e detalhista que mistura o vintage com o moderno. O resultado é uma atmosfera de estranheza e beleza incomum, capaz de revelar tanto sua modernidade e vanguarda quanto sua raiz old fashion. Mas a maior beleza em Com Amor, Van Gogh reside na fidelidade com que os diretores captaram a alma da obra original do pintor e a preservaram em cada frame do filme, sem necessariamente soar como um pastiche sem imaginação. 

Há momentos em que tudo se perde no deslumbramento com o próprio universo e isso por vezes impede o avanço da narrativa, mas é muito difícil não se deixar levar pelo poder dessas imagens, o que torna quase todos os deslizes perdoáveis, lembrando que é muito próprio de obras pioneiras como esta cair cedo ou tarde em situações de desorientação e falta de domínio completo de criação, como se a própria arte ganhasse em determinado ponto vida própria e fugisse do alcance de seus criadores. Diante de um cinema de animação cada vez mais limitado e pouco imaginativo, de visual cada vez mais padronizado, é um alívio ver o respiro que experimentações como essa trazem, além da nova oportunidade de conhecer em mais detalhes de composição e processo criativo a mente de um dos maiores gênios de todos os tempos.  

Comentários (1)

Matheus Gomes | quinta-feira, 26 de Abril de 2018 - 16:37

Funcionou comigo não. Mesmo sendo uma obra de qualidade estética primorosa; a história não soube empolgar, ficando monótono na maior parte do tempo.

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