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Críticas

Cineplayers

O olhar de uma criança, o desejo de um adulto.

7,0

A construção do drama familiar de Confiar (Trust, 2010) é bem conduzida pelo diretor David Schwimmer (mais conhecido por interpretar o personagem Ross, da série Friends), que imprime facetas da modernidade e perigos envolvendo a internet em um estudo breve e íntimo da individualização, colocando pessoas em busca de qualquer atenção, no caso, através da virtualidade. O filme é centrado na jovem Annie (Liana Liberato), que conhece um rapaz numa sala de bate-papo e mantém contato idealizando-o, uma vez que não o vê. Ele a ouve, aconselha, acalenta sem julgar. No auge da adolescência, Annie enxerga nele um porto de amparo, uma paixão movida pela curiosidade. Embora não estejam juntos, dividem segredos e privações, até quando a história ganha conotação sexual com a garota satisfeita por ser desejada por esse alguém, uma vez que não tem o mesmo sucesso onde estuda.

A história percorre dois contextos: o colégio, e a necessidade de estar em evidência propagada pela mídia; e sua casa, cuja dinâmica familiar amistosa converte-se num infortúnio quando o papel do cuidado é drasticamente violado. O roteiro de Andy Bellin e Robert Festinger – este último escreveu o ótimo Entre Quatro Paredes (In the Bedroom, 2001) – percorre esses lugares, diagnosticando vícios sociais – a garota popular, ser diferente como algo errado e a virgindade como tabu – e o distanciamento ocasionado pela atualidade, explicitando ausências não como desculpa, mas como obrigação. Faz pensar no afastamento sugestionado no ótimo drama francês Stella (idem, 2008), de Sylvie Verheyde, onde uma menina, em seu próprio meio, enfrentava riscos semelhantes sem internet. Não é culpa da internet, ela é um facilitador. Tal deslocamento exemplificado evoca diretamente a cena em que Annie, feliz com uma novidade do time de vôlei, corre para casa anunciando aos gritos para a mãe, porém o destino é o computador a fim de detalhar a notícia a Charlie, com quem tem mais intimidade. O diretor se apóia em artifícios remetentes à tecnologia evocando os dias atuais e a velocidade da informação, como as trocas de mensagens exibidas na tela de um modo semelhante ao feita por Murilo Salles em Nome Próprio (idem, 2007). 
 
Chega o dia em que este oculto rapaz decide visitar Annie, e, ansiosa com o primeiro encontro, a garota se prepara para uma possível primeira transa. Num shopping, vê todas as suas idealizações ruírem quando percebe que Charlie (Chris Henry Coffey) não é um menino, mas um homem bem mais velho, utilizando um discurso psicopata a fim de conquistá-la. Liana Liberato torna a situação intensa com seus gestos brandos de menina e olhar de contemplação e dúvida. O impacto é maior por tratar realmente de uma adolescente encenando. Seduzida, se permite levar e ter sua primeira experiência com um homem, o que dará um rumo distinto para a narrativa sobre a ótica de Annie perante o trato sexual e sua negação diante a possibilidade de ter sido vítima de estupro, crendo – ou fantasiando – uma afetiva paixão.

Sem querer responsabilizar alguém pelo ocorrido, o filme trata o estremecimento familiar graças ao caso, com Will (Clive Owen, numa performance compadecida enquanto um pai de família) vivendo a ira por aquele que tocou sua filha, ao mesmo tempo que se culpa por não a ter defendido. Igualmente frustrada está sua mãe, Lynn, vivida pela ótima Catherine Keener, resguardando lamentos, esperando que o FBI resolva o caso. O contraste das relações do antes e pós acontecimento são bastante evidentes. proporcionando boas cenas concentradas unicamente no desastre assolando a família, ignorando o desaparecimento de Charlie numa clara crítica sobre os pedófilos que nunca são descobertos.

Sem grandes aspectos técnicos, o filme se debruça unicamente no conflito proveniente do estupro e o resultado disso para uma vida, de uma maneira próxima, porém pouco rija, à proposta do forte Mistérios da Carne (Misterious Skin, 2004). Aqui também se trabalha com sugestões, a visão de um homem apreciando uma garota bem mais jovem, o que não trata como pedofilia, mas rende oportunos questionamentos. O sentimento de Annie é pouco a pouco revelado na terapia com a psicóloga Gail Friedman, vivida brilhantemente por Viola Davis, jamais julgando o caso, mas buscando as conseqüências do ato para a garota numa compreensão através das palavras da própria menina referente a sua perspectiva enquanto vítima condolente. Na relação entre a dupla residem os melhores diálogos.

O filme se revela uma denúncia justa, não traz soluções, porém indaga ações. A pedofilia tem uma história longa, vem abraçando o cinema com filmes exuberantes em distintos panoramas, como os casos de O Lenhador (The Woodsman, 2004) e Pecados Íntimos (Little Children, 2006), que discutem o lado dos pedófilos sem inocentá-los. Confiar não ficará marcado como os dois mencionados, mas é um trabalho importante nos que diz respeito ao que nos é nocivo. Pais e filhos convivem juntos, a dor da aceitação por um erro é indigesta, real e por vezes inevitável, baseado em nossa história atual com tudo que estamos expostos. Os filhos estão por aí na mão de muitos e dificilmente aceitam conselhos, querem viver –uma hora a criança tem de crescer e não há tanto que os pais possam fazer.

Comentários (5)

Bruno Kühl | quarta-feira, 28 de Setembro de 2011 - 13:50

Legal 😋

Isabela Bichara de Souza Neves | sexta-feira, 30 de Setembro de 2011 - 07:36

Vou ver hoje esse filme! É um assunto bem atual, e me parece que será um belo drama pelo trailer. Ah Ross! hehehehehe...espero que ele não me desaponte! 😁

João Guilherme de Magalhães Ferreira | quinta-feira, 22 de Novembro de 2012 - 15:09

O Mais Interessante No Filme É Que Ele Não É Focado Na Vingança, Como A Maioria Dos Filmes Com Essa Mesma Premissa! Ele Mostra O Acontecimento E O As Sequelas Q O Mesmo Deixou. Gostei E Acho Que David Schwimmer Deu Um Grande Passo Como Diretor Nesse Filme. Agorá É Torcer Pra Que Continue Nesse Tipo De Produçao, Pois Algo Parecido Com "Maratona Do Amor" Ninguém Merece!

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