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Críticas

Cineplayers

Em meio à baixa qualidade dos filmes do gênero de hoje em dia, essa obra-prima dos anos 80 é o mais perto que podemos chegar de sermos crianças novamente.

9,0

Há algum tempo que venho falando dos grandes clássicos da Sessão da Tarde. Nada mais justo do que, em uma matéria deste inacabável especial, eu falar sobre um dos grandes nomes dessa geração: Conta Comigo é muito mais do que um filme sobre amizade; é também um complexo retrato dos jovens que, por mais que os anos passem, sempre serão os mesmos. Uma das provas disso é que o filme se passa em 1959, mas sua mensagem pode ser captada por qualquer um que tenha tido uma boa infância e sabe da saudade que bate de cada coisa que fizemos nessa fase tão especial de nossas vidas.

A história é baseada em um conto de Stephen King (The Body) e é também a sua obra mais pessoal: tudo remete claramente a uma fase de sua vida; seu irmão morto em um acidente de carro, o fato de o personagem principal ser um escritor famoso quando velho e diversas outras metalinguagens pessoais. Na trama, quatro jovens amigos ficam sabendo do paradeiro de um cadáver de um jovem desaparecido a poucos quilômetros de onde moram e, visando serem vistos como heróis por todos na pequena cidade, decidem achar o cadáver e fazer dele a ponte para o sucesso noticiário.

Só que o filme é, assim como a viagem dos meninos, uma grande jornada de aprendizado. Ao longo dos acontecimentos, questionamos diversos pontos de nossas vidas pelo olhar ingênuo e sincero dos personagens. Um grande exemplo disso é quando Gordie (Wil Wheaton) e Chris (River Phoenix) estão conversando sobre futuro e como os pais de Gordie não dão valor aos talentos do filho. Com certeza, para as crianças que assistirem a essa cena, será uma bela lição sobre futuro; e para os pais um belo soco na consciência para olhar para seus pequenos e ver se eles estão agindo certo com eles.

Nessa mesma cena há um contraste interessantíssimo, pois enquanto Gordie e Chris conversam sobre algo sério, Teddy (Corey Feldman) e Vern (Jerry O’Connell) estão discutindo sobre uma possível luta entre o Superman e o Supermouse (“E por que eles dois não podem lutar? É simples; um é de verdade, o outro é um desenho”). Outro ponto interessante de se ressaltar o espírito de ser criança, que pode ser uma importantíssima lição para os jovens precoces de hoje, é quando um dos personagens faz uma linda menção ao fato de ser criança, já que ele “vai viver apenas uma vez essa fase em sua vida”. E é isso mesmo, fazer coisas simples, com pouco dinheiro, mas que rendam milhares e milhares de histórias e saudades no futuro. Um dos grandes trunfos do filme é nos fazer sentir saudade de quando éramos crianças, de quando não tínhamos preocupações e como era gostoso simplesmente descobrir tudo, exatamente como seus personagens na história.

Contrastando com esse espírito de ser jovem e aproveitar cada momento dessa fase há a personificação de uma geração: no começo do filme, somos apresentados aos personagens enquanto eles fumam, jogam baralho e falam sobre coisas de gente grande. A pressa em crescer sempre foi uma das características dos jovens, mas ao traçar esse paralelismo, o filme ganha força principalmente ao provar a ingenuidade dos garotos no final, quando eles encontram o corpo (não estou estragando nenhuma surpresa, afinal, uma das primeiras frases do filme diz que eles realmente encontraram o corpo).

Agora um dos meus pontos preferidos no longa é sua mensagem final. A importância da amizade geralmente só é encontrada quando essa deixa de existir. E encontrar amizades sinceras, como as que temos quando jovens, fica cada vez mais difícil. O modo como isso é passado é altamente tocante, com situações que colocam as amizades a prova, com um forte fator ao seu favor: é praticamente impossível não se identificar com qualquer uma delas. Mesmo que não tenhamos vivido algo parecido, a força de nos sentir crianças como os personagens dá ao longa uma vida universal, fantástica e profundamente tocante.

O roteiro é aparentemente simples, com as coisas simplesmente acontecendo na tela, sem dar muitas brechas para raciocinarmos sobre o que está acontecendo. Mas, ao contrário de diversas outras produções diretas, essa característica acaba se tornando uma virtude em meio à mensagem que se deseja alcançar: é melhor passá-la de modo claro e deixar que cada um vista a carapuça do que colocar tudo no ar, tirando o impacto da mensagem. Só que os personagens são bem mais complexos do que meras crianças. Mesmo com tudo sendo dito na tela, fica impossível não sentir cada vida quando descobrimos tudo o que aconteceu com os jovens, seus detalhados passados, seus sofrimentos e, principalmente, a angústia desesperada de se tornarem alguém na vida. A mensagem não é vista claramente no filme, e sim sentida, pois no final, ao invés de simplesmente lermos a ‘moral da história’, ficamos pensando em tudo o que aconteceu e vemos que tudo é infinitamente mais complexo do que pode parecer à primeira vista. É um leque de sentimentos que se abre infinitamente enquanto pensamos na (aparente) simples história que acabamos de presenciar.

Outro ponto forte a favor do longa é de não poupar ninguém de nada. As crianças viajaram atrás de um corpo, certo? Pois bem, para a mensagem ficar bem clara e impactante, nada mais justo do que o corpo aparecer em um grande close na tela. Assim como as crianças, ficamos chocados ao perceber que, ao invés de um caminho para a fama, aquela viagem serviu mais para um caminho de consciência, de um crescimento forçado pela situação. Ao invés da consagração, há a humanização. Não há graça como pensávamos, e a seqüência nos traz de forma violenta de volta à realidade sobre a morte, do modo inesperado como ela pode acontecer e, principalmente, o quanto nos sentimos aliviados de estarmos vivos. Todos mudam com a viagem, principalmente nós, que estamos assistindo-a.

Em meio à deslumbrantes paisagens e uma poderosa trilha sonora, vemos alguns rostos bastantes conhecidos de filmes da época e alguns mais famosos ainda nos dias de hoje em início de carreira. Corey Feldman saiu diretamente de um outro filme infantil importante, Os Goonies, para Conta Comigo, e River Phoenix viveu alguns anos depois o jovem Indiana Jones em Indiana Jones e a Última Cruzada, alguns anos antes de falecer de overdose por causa de seu problema com as drogas, com apenas vinte e três anos de vida, nos braços do irmão hoje famoso Joaquin Phoenix (é meio prozac ver, no filme, o garoto falar tanto sobre futuro e pensar que o ator, morto no longa apenas velho, falecer em uma idade tão jovem na vida real).

Um dos destaques do elenco é Kiefer Sutherland, hoje bem mais conhecido como o valentão Jack Bauer da série 24 Horas. Aqui é apenas um dos seus vários papéis que comprovam a fama de bad boy do astro, que dizem que se confirma na vida real. Outro que tem uma participação um pouco menos perceptível é John Cusack, astro de filmes como O Júri e Identidade, fazendo o falecido irmão de Gordie. Com bem mais destaque, porém, temos um Richard Dreyfuss já bastante famoso depois de participar de duas obras-primas de Steven Spielberg (Tubarão e Contatos Imediatos do Terceiro Grau) fazendo apenas uma pequena participação como Gordie adulto, mas em uma seqüência importante fechando a mensagem da trama - quando ele brinca com seus filhos fora do escritório, o ciclo da infância voltou mais uma vez ao início. Sempre haverão crianças, e suas infâncias sempre serão únicas.

Por fim, temos uma lição de vida incrivelmente bem filmada, completada perfeitamente pelas belas imagens e seqüências muito bem dirigidas (a do trem, apesar de óbvia, é maravilhosa e uma das marcas do filme). Um road movie não tão road assim, as mensagens são fortes o suficiente para marcar não apenas uma boa sessão de cinema, mas também para serem usadas como lição de vida por muitas e muitas gerações de jovens por aí. Duvido que alguém não sinta saudades de sua época de infância logo após o final da exibição.

Em meio à baixa qualidade dos filmes do gênero de hoje em dia, essa obra-prima dos anos 80 é o mais perto que podemos chegar de sermos crianças novamente.

“Stand, by me...
Oh! Oh, oh, oh, oh...
Stand by me...”

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 23 de Novembro de 2013 - 18:52

Cara, ainda bem que não sou o único a cultuar esse clássico. A cena da descoberta do cadáver é tocante mesmo...
Que filme!!!!!!
Viva o unkle King!!!!

nelson rios dias | quarta-feira, 11 de Janeiro de 2017 - 10:53

Revi ontem, depois de décadas, qdo vi na minha infância, e na época só me tocava nas cenas cômicas como a do trem, do sanguessuga, da história do festival de tortas, mas revendo depois de adulto que percebi o quão grandioso esse filme é, impossível não ficar um clima de nostalgia no ar.

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