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Críticas

Cineplayers

Soderbergh, mais uma vez, reinventando premissas manjadas.

7,0

Depois de começar como um típico filme-catástrofe e se enveredar para um tipo de retrato atual do momento de crise nos Estados Unidos, passando nessa transição por diversas convenções de uma porção de gêneros, finalmente Contágio (Contagion, 2011) mostra a que veio – reafirmar a posição ilustre de Soderbergh como um dos diretores mais autênticos da atualidade. Desde sua estréia na direção, no circuito alternativo de filmes independentes, com o polêmico e aclamado Sexo, Mentiras e Videotape (Sex, Lies and Videotape, 1989), sua intenção sempre foi inovar, mesmo estando dentro dos limites de alguns gêneros tradicionais. De lá para cá, poucas vezes o diretor se desviou desse foco e foi acumulando com o tempo uma vasta experiência e uma mais vasta ainda gama de amigos dentro do ramo, de modo que suas produções a partir da década passada foram sempre marcadas por um ar familiar de profissionais do cinema fazendo algo a mais do que simplesmente trabalhar – se divertir.

Contágio não foge à regra. Sua premissa é bem parecida com aquelas bem batidas e constantes no cinema americano, envolvendo vírus capazes de dizimar a população humana, só dando trégua para um pequeno grupo de remanescentes que lutarão para sobreviver em um mundo desolado. Se nas mãos de diretores despreparados esse tipo de história só resultou em tédio e previsibilidade, tudo ganha novos (e empolgantes) ares pela lente de Soderbergh, que coloca em seu caldeirão uma série de elementos raros e interessantes que conseguem anular a babaquice do enredo e só deixar o que há de bom. Para isso ele conta com a ajuda de um elenco de peso, que mais está lá por amizade do que por uma oportunidade de enriquecer a carreira.

A narrativa é dividida pela classificação de dias diferentes. Por exemplo, tudo começa no tal “dia 2”, quando uma super coadjuvante Gwyneth Paltrow começa a passar mal na sala de espera de um aeroporto. Sua situação vai piorando até chegar ao ponto de começar a ter convulsões, preocupando seu marido, Mitch (Matt Damon) e contaminando todos a sua volta com o vírus mortífero. Em pouco tempo a epidemia se espalha descontroladamente, deixando o governo americano em estado de alerta. As doutoras Leonora Orantes (Marion Cotillard) e Erin Mears (Kate Winslet) são convocadas a desenvolver uma vacina o quanto antes, enquanto o governo tenta apaziguar a situação. Quem não bota fé nessa eficiência é um internauta inglês, Alan (Jude Law), que aposta mais no remédio natural que acredita ter desenvolvido por conta própria. 

A partir dessas múltiplas histórias começa um divertido vai-e-vem no tempo, com o intuito de descobrir a origem dessa praga, que provavelmente se encontra escondida no enigmático “dia 1”. Matt Damon assume o cargo de protagonista que guia a multidão de desesperados depois que tudo já parece perdido. Resta então ao espectador embarcar na proposta intrigante de deduzir quem chegará vivo ao final. Com um elenco de nomes tão importantes, é difícil deduzir quem realmente receberá o tal privilégio de figurar entre os sobreviventes.

Além da condução excelente por parte de Soderbergh no que diz respeito à ação, o suspense e até mesmo o puro terror, o que realmente faz a diferença em Contágio é sua colocação dentro do cenário político americano. Ousado como sempre, o cineasta coloca em xeque a dita eficiência do governo em controlar situações de caos. Afinal, desde o atentado de 11 de Setembro que a confiança nessa segurança propagada pelos políticos está abalada. A retratação das autoridades máximas dentro do filme, mais desesperadas do que prontas para enfrentar o pior, acaba se mostrando uma bela cutucada tanto ao governo quanto às forças bélica e farmacêutica americanas. O único ali que se mantém, na medida do possível, o mais calmo e sensato, é Mitch, um simples cidadão americano. Se há por traz disso alguma mensagem maior ou alguma ironia mais acentuada, fica a cada espectador deduzir por conta própria.

Assim como ressuscitou e repaginou os grandes filmes de roubo antigos em Onze Homens em Um Segredo (Ocean’s Eleven, 2001), ou deu um novo gás às comédias policiais em Irresistível Paixão (Out of Sight, 1998), Soderbergh também se aventura por um subgênero batido em Contágio, o reformulando e acrescentando uma identidade própria, sua marca registrada. O tom família na direção de atores também é recorrente em sua filmografia, visto que procura sempre escalar grandes amigos pessoais para comandar em seus trabalhos. Por isso que Contágio consegue ser mais leve do que aparenta. Ainda que traga em seu roteiro um tema sério, fora as várias indiretas à política norte americana, seu resultado final é surpreendentemente fácil de digerir. A diversão e o descompromisso, por fim, prevalecem. Ele poderia ter tomado um rumo diferente e feito de seu trabalho algo mais denso, e ainda assim o filme poderia sair excelente, mas a tal escolha de prioridades acabou sendo certeira e evitou que tudo parecesse boboca (o grande perigo das ficções científicas).

Quando chega a sua reta final, Contágio perde boa parte de sua força ao se render aos esquemáticos desfechos hollywoodianos, algo praticamente imperdoável em um filme que consegue se manter tão fresco durante quase toda sua duração. Soderbergh anda mostrando esse tipo de defeito em seus trabalhos mais recentes, como Che (Che: Part One, 2008) e Che 2 – A Guerrilha (Che: Part Two, 2008).  Em O Desinformante (The Informant, 2009) ele aparentemente conseguiu recuperar sua boa forma, e a manteve intacta até os momentos finais de Contágio. Pena que ele mesmo não soube lidar com a grande história que criou a ponto de poder finalizá-la com qualidade.

Esse defeito pode até ser grave, mas não chega a comprometer o trabalho como um todo. Contágio é, acima disso, um filme bem bolado e bastante interessante. Se sua premissa lembra um pouco aquelas dos filmes trash, que bom que temos Soderbergh na direção para transformá-la em um ótimo exemplar de ficção científica atual. Afinal, não há diretor dessa nova geração (já nem tão nova assim, ok) mais capaz de reformular um gênero do que ele. O resultado é gratificante. 

Comentários (13)

Patrick Corrêa | sexta-feira, 04 de Novembro de 2011 - 12:51

Ah, Paulo... e tem como ela não estar bem?

😁

J. Carlos F. Dos Santos | quarta-feira, 09 de Novembro de 2011 - 22:16

O filme é bom, mas nada genial. Destaque para atuações e trilha sonora. O filme começa bem, mas perde o ritmo quando Soderbergh muda a formula do filme o transformando num documentário.

Júnior Souza | sábado, 17 de Dezembro de 2011 - 13:38

Uma baita duma picaretagem.

Anderson de Souza | sábado, 17 de Dezembro de 2011 - 14:37

Cara, acho que o filme ficaria bem melhor se outro tivesse assumido a direção. O Texto é interessantíssimo, atual e crítico, mas esses excessos do Soderbergh diminuiu a qualidade do filme. Mas achei ótimo ainda assim.

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