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Críticas

Cineplayers

A vida em nome da liberdade.

9,0

Dono de uma filmografia vasta e eclética, Mel Gibson consagrou-se na direção com este Coração Valente (Braveheart, 1995). Foi o segundo filme que concebeu por trás das câmeras e despertou no meio da década de 90 uma legião de fãs com uma história sobre amor e vingança nos campos escoceses, onde camponeses resistiam aos ataques dos impetuosos ingleses. Apropriado de um momento histórico, a independência da Escócia no Século XIII, o trabalho se desenrola seguindo o protagonista icônico William Wallace (vivido pelo próprio Gibson) desde pequeno, quando assistiu ao retorno do pai morto, acompanhando posteriormente às injustiças que seu povo sofria, motivando-se em assumir a liderança da nação em busca de independência. Centrado num personagem, autoafirmado e inspirador, esta importante obra é um retrato terno daquele que se firmou líder em nome de um ideal: a liberdade.

Mediado por um pesado apelo emocional, elementarmente funcional capaz de causar comoção nas vítimas do choro fácil, o longa não se restringe e tampouco se limita a uma só direção, vislumbrando em sua comprida duração artifícios variados, objetivando o sucesso comercial da empreitada. Algumas críticas à obra residem justamente nesse apelo sensibilizante, postergando os ideais do projeto em explorar uma figura ilustre do país, convertendo-o num justiceiro romântico e bem intencionado, cujos valores morais provém de um passado amargo e de ocorrências bárbaras com mãos sujas de sangue. Esses aspectos emocionais meticulosos garantem lágrimas enternecidas. Resistir a isso é um desafio.

Vencedor de tantos prêmios, inclusive de melhor filme e diretor no Oscar, "Coração Valente" é um molde intrínseco de um povo unido por algo em comum. Nesse âmbito, o cineasta extravasa cenas de violência, com batalhas esplêndidas e muito bem coreografadas sobre os campos esverdeados, manchado com o sangue da coragem dos camponeses que lutaram com míseros recursos. A parte técnica caprichada tem na maquiagem e no figurino seus grandes destaques, seja na composição da monarquia inglesa exibida nos palácios e nas cidades até a miséria dos campos onde várias famílias foram transgredidas. A fotografia de John Toll é outro ponto envolvente na trama, distinguindo contextos no decurso temporal.

O filme soa como vingança, também o é, porém a motivação de Wallace se configura por sua experiência de vida e histórico amargo, atrelado à decepção de um homem esquivando-se da guerra, até quando essa chega até ele insistentemente. A representação da realidade do herói é bem feita, compreendemos seus motivos, solidarizamos-nos a eles. A prima nocte, entre tantas submissões, expressam a ira de um lugarejo, com razão. É a retratação romântica de um guerreiro sozinho, sem nada a perder, sedento pela represália daqueles que coibiram seu povo. O tempo em que morou com o tio Argyle Wallace (Brian Cox), a instrução que lhe distinguiu, a moral aprendida no domínio da espada e o respeito ganho pelo seu sucesso são trunfos do roteiro que nos aproximam a humanidade do sujeito.

Condenado por uma fúria destrutiva, o personagem interpretado por Gibson expressa em vários momentos uma gana traduzida pela própria personalidade do ator, reconhecida anos depois em polêmicas particulares. Já na atuação, são vários os créditos. Seu olhar de descrença quando se percebe traído é arrebatador, tal como as lembranças enterradas naquele solo. Há uma progressão virtuosamente delineada do personagem, tanto em épocas quanto em eventos. Quando jovem, demonstrava coragem e nobreza desejando acompanhar o pai nas batalhas, algo visivelmente reprimido após crescido; já nos combates, apreciamos sua hesitação e compreendemos sua virtude exposta nos feitos.

Nesse sentido, de narrar à trajetória de seu herói, o roteiro escrito por Randall Wallace, que dirigiu Gibson alguns anos depois no drama de guerra Fomos Heróis (We Were Soldiers, 2002), estabelece um épico coeso dentro de padrões cinematográficos, o que não significa qualquer fidelidade à história original, reconhecida como um mito de um líder sentencioso. O prelúdio exalta através de uma narração um possível descontentamento dos ingleses por parte do conto, postando a Inglaterra como cruel vilã hierárquica, a partir do Rei Edward Longshanks, que tomou o trono da Escócia imediatamente após a morte do monarca escocês, que não deixara nenhum herdeiro. Toda a narrativa se passa em plena defesa dos camponeses, segregados e humilhados, até a unificação das pequenas vilas pelo herói, opondo-se aos constantes ataques dos soldados da Inglaterra.

O filme tem a força de um austero épico, conduzido com inteligência e comoção - é sim para emocionar, mais do que retratar fielmente a figura de William Wallace, o que, de antemão, ganhou e continuará ganhando aversão de alguns públicos e estudiosos. O tratamento dado às caracterizações, bem como a noção de combate, com estratégias impulsivas que ganham a atenção do espectador, fortalecem ainda mais a história contada ferozmente, sempre exigindo a ternura daqueles tantos homens. E uma vez na Escócia, a trilha sonora inesquecível assinada por James Horner, se imortalizou graças à utilização das gaitas de fole enriquecendo apropriadamente o tema, tanto pela influência no ritmo como inferência a aquele contexto.

Já faz 17 anos desde seu lançamento. A obra influenciou longas metragens posteriores, como o também oscarizado Gladiador (Gladiator, 2000). Através de cenas memoráveis, o filme legou célebres atos, como o instante em que uma menina entrega uma flor a um pequeno e triste William Wallace; outro momento igualmente marcante é seu ato final, com o grito proferindo o almejo. São lampejos da aspiração romântica impressa no decorrer da trama, agraciada por sutilezas fílmicas, algo notável dado ao até então amadorismo de seu realizador. Provindo do elogiável O Homem Sem Face (The Man Without a Face, 1993), Gibson acertou na direção das impressionantes batalhas como também nas breves e boas piadas e no romance instruído.

Sem se prender a fatos históricos, mas o usando como insinuação contextual e veiculação à fantasia acerca de seu herói, Mel Gibson cria definitivamente um ícone e homenageia esse mito escocês com um trabalho potencialmente emocional e visualmente arrebatador. “Coração Valente” é um dos grandes filmes dos anos 90, essencialmente modesto em seu texto de intenções óbvias, mas com status de mega produção revelando um surpreendente talento. Termina como preito e lição de patriotismo num contexto campal, entre belas paisagens, idealizações futuras e marcas da violência do passado.

Comentários (8)

jorge lucas | quarta-feira, 29 de Fevereiro de 2012 - 20:14

ótimo filme, mas não considero como obra-prima 🙄

Lino Adriano Neto | quarta-feira, 29 de Fevereiro de 2012 - 21:13

embora seja top meu...
o filme foi muito importante mesmo !!!
achei boa a nota

Marlon Tolksdorf | quarta-feira, 18 de Julho de 2012 - 10:41

O filme e nota 10.0, mas vocês precisam rever seus conceitos de "obra-prima". Nem sabem o que isso significa. Achem outro termo pra qualificar filmes bons, como este.

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 13:58

Coração Valente não é obra-prima??? O filme quase não pussui defeitos, se é que possui. Quando o filme reúne, parte técnica perfeita, atuações competentes, muito boa direção, ambientação e roteiro impecáveis e ainda possui cenas e falas que seguem fresquinhas na memória de todos por quase 20 anos não é uma obra-prima, eu não sei o que é....

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