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Críticas

Cineplayers

Vida e obra de Charles Darwin reduzidas a um drama familiar insosso.

4,0

Criação é cinema que começa majestoso, quando não pretensioso. O letreiro inicial anuncia que o filme a ser exibido na sequência irá contar como foi elaborada a ideia mais importante da história da humanidade. Em mais uma alusão è teoria da origem das espécies, há um diálogo em off na abertura, onde a filha pede ao pai Charles Darwin para lhe contar uma história simplesmente sobre “tudo”. O título do filme é inserido sobre a imagem do dedo indicador de um feto – uma intertextualidade óbvia com a famosa obra do renascentista Michelangelo.

Engana-se quem busca em Criação uma narrativa densa sobre o processo de descoberta e desenvolvimento da teoria presente no livro “A Origem das Espécies” – de fato algo que revolucionou o mundo. Com um roteiro extremamente truncado e mal resolvido, os grandes feitos do naturalista britânico servem aqui somente de pano de fundo para um enredo que se detém predominantemente no relacionamento conflituoso entre Darwin e sua esposa Emma, e os traumas vivenciados por estes na perda prematura de alguns filhos, em especial a filha Annie.

Lançando mão de uma infinidade de clichês melodramáticos, um dos maiores gênios da história é retratado ao longo de todo o filme como um homem perturbado pela culpa da morte de sua filha, tal como um sorumbático personagem de um filme de M. Night Shyamalan, que como tal passa então a desfrutar da estranha capacidade de ver os mortos constantemente e interagir com eles. Momentos de delírio e realidade, passado e presente são intercalados no filme de maneira nada hábil na edição, tornando a narrativa absolutamente confusa, repetitiva e dispersa.

Há em Criação uma clara proposta de abordar Charles Darwin como o homem por trás do mito, dar um recorte ao filme partindo de sua vida pessoal, em como esta foi afetada por sua teoria, assim como sua vida familiar conturbada, de certo modo, o influenciou no desenvolvimento de um pensamento original e revolucionário. Mas é um viés que falha miseravelmente à medida que trata um tema tão importante de forma superficial e leviana.

O Charles Darwin de Criação gasta todo o tempo de projeção do filme num dilema moral intermitente, arrastando-se no peso de sua consciência. Um homem na corda bamba entre ter fé e religiosidade ou seguir adiante com seus estudos, temendo consequências drásticas à humanidade, com o possível fim da crença em Deus, que poderia ocasionar a barbárie e a destruição.  Mas como o filme tende ao reducionismo, o dilaceramento existencial de Darwin fica condicionado a uma crise conjugal, na qual a esposa opõe-se a ele ao crer em Deus, culminando num conflito amoroso conjugal que será o centro da narrativa.

Apesar de falha tão explicita, existem escolhas acertadas. A fotografia é intocável, a recriação da época pela direção de arte é igualmente eficiente, e os atores foram bem selecionados. Paul Bettany, que interpreta Darwin, além da semelhança física, já havia encarnado um naturalista em Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo (2003). Jennifer Connelly deslanchou sua carreira justamente quando fez o papel o qual contracenava com outro gênio perturbado, em Uma Mente Brilhante (2001), que lhe rendeu o Oscar.

O que poderia ser uma obra maravilhosa sobre um homem fantástico no processo de concepção da teoria que revolucionaria o modo como o homem entende a vida, Criação trata Darwin no formato trivial da cinebiografia, que se somam as centenas de outras que partem do pressuposto de que o martírio do personagem é o mais importante em detrimento de todos os outros aspectos da vida de um homem, ainda mais de alguém que de fato revolucionou o mundo.  Produzido em 2009, Criação celebra o bi-centenário do nascimento de Darwin sem fazer jus a sua vida, muito menos a sua obra.

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