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Críticas

Cineplayers

Adamson faz da mitologia do mundo de Narnia apenas uma exibição de modelos em computação gráfica mal realizados.

4,0

Outra heptologia do mundo literário chega aos cinemas, impulsionada pela onda de filmes de fantasia. Agora os executivos estão olhando com bastante carinho para esse gênero, após os sucessos estrondosos que as séries O Senhor dos Anéis e Harry Potter fizeram ou estão fazendo, no caso do bruxinho. Qualquer obra marcante existente e que ainda não tenha aparecido nos cinemas está ganhando ou certamente vai ganhar adaptação em breve. O momento é esse. O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa já havia sido adaptado, mas em uma versão para a televisão britânica, no final dos anos 1980, com razoável sucesso, mas devido ao pouco apelo da série por aqui pouquíssimas pessoas ouviram falar desse filme.

Como As Crônicas de Nárnia não são exatamente livros famosos por aqui - venderam milhões de cópias lá fora, mas garanto que a maioria absoluta das pessoas não havia ouvido falar de Narnia antes do início da produção do filme - o filme acabou chegando como uma incógnita. Rumores ressoantes diziam ser "uma mistura de Harry Potter e Senhor dos Anéis" (a obra original, é bom destacar, foi lançada em 1950, sendo muito anterior aos livros de J.K. Rowling). Tais rumores não deixam de estar certos, sob um ponto de vista superficial. Narnia tem o apelo visual do mundo de Tolkien (muito, mas muito mais limitado, é bom destacar) e o espírito infanto-juvenil, em seus personagens, de Harry Potter.

Possivelmente teremos de conviver com Narnia pelos próximos 10 anos - caso todos os livros venham a ser adaptados para o cinema. Então deveriam ter começado melhor do que o fez esta primeira aventura. Narnia é um filme feio, mal dirigido e, em sua maioria, mal interpretado. Não há magia que sobreviva a isso. Não há magia que sobreviva à falta de experiência de uma produção mal realizada, mas ainda assim pretensiosa. O grande erro, acredito eu, foi ter escalado um diretor de animações, Andrew Adamson (Shrek e Shrek 2) para fazer esse trabalho. A responsabilidade é imensa, e a falta de experiência na direção de atores e locações reais fica evidente em muitas cenas.

Adamson, com a ajuda de um roteiro bastante limitado, não conseguiu dar corpo ao longa, e a linguagem utilizada é uma mistura de textos auto-importantes (toda a sequência inicial) com outros que parecem sair da mais inocente animação da Disney - ou de suas próprias animações. Os personagens são muito limitados. A feiticeira branca não assusta e não constitui uma real ameaça para as crianças em momento algum. Bem pelo contrário, sua expressão sempre igual torna-se constrangedora, quase uma piada. A batalha final, onde a poderosa feiticeira deveria demonstrar todo o seu potencial e sua maldade, acaba sendo apenas uma grande bagunça na tela sem grandes confrontos. Decepcionante!

A própria apresentação do mundo de Narnia foi mal realizada. Com a pretensão de apresentar um mundo quase infinito de riquezas em termos de cenários, raças e situações, tudo que o filme consegue, quando muito, é mostrar-se uma aventura infanto-juvenil de pequena valia para o destino de todo um mundo. Não há, em momento algum, sensação de que as quatro crianças realmente são parte de uma lendária profecia, nem de que serão importantes para libertar Narnia de seus "terríveis" opressores. Elas ganham armas em determinada cena para ajudarem-nas na complicada guerra que virá pela frente, mas somente quem as realmente utiliza é um dos garotos, de forma ainda forçada, já que ele não demonstrou ser um líder em momento algum, apenas vítima das circunstâncias e que teve que agir somente pelo fato de que, senão o fizesse, morreria.

Aliás, o trabalho com as crianças, que pesou principalmente em cima da pequena Lucy (Georgie Henley), também deixou a desejar. Além da inexperiência habitual do quarteto de crianças (algo natural por serem tão jovens e novatas no ramo - apenas Anna Popplewell, que interpreta Susan, já esteve em produções grandes) o roteiro não ajudou, com situações que não exigiram fortes emoções nem textos mais elaborados. Quando um certo personagem morre no filme, a cena, que era para ser chave, é no máximo razoável, pois o relacionamento entre todos ali foi sempre tratado artificialmente até aquele momento. Parece, no final das contas, que todo peso foi jogado em cima da "fofura" da pequena Lucy, que os espectadores ficariam encantados com seu rostinho simpático e divertido e isso faria tornar desnecessário um trabalho melhor com o roteiro. Obviamente não foi isso que aconteceu na mente dos produtores, mas é a impressão que passa.

O que também machuca o filme são os efeitos especiais de segunda linha. Aparentam ser feitos para um filme da televisão, tamanho a falta de apuro técnico para com os detalhes. Várias reportagens antes do lançamento do filme destacavam como a produção vinha sendo cuidadosa, como que querendo igualar o seu trabalho ao trabalho realizado por Peter Jackson na trilogia O Senhor dos Anéis. Há muita beleza em Narnia, mas também há uma falta de trato nos detalhes impressionante. O fundo azul (ou verde, sabe-se lá) poucas vezes ficou tão perceptível como em algumas cenas de Narnia. O que era para ser encanto acaba distraindo o espectador. Os animais computadorizados (basicamente, 90% dos que aparecem no filme) também não ficaram coerentes, ou seja, seu tratamento com os ambientes reais ficou deveras artificial. Efeitos especiais nunca devem se sobrepor ao enredo, é verdade, mas quando eles passam a distrair o espectador, eles se tornam algo negativo. Em uma produção de mais de 150 milhões de dólares de custo, isso é imperdoável.

Se mais filmes vierem no futuro, que selecionem um melhor diretor, ou que Adamson realmente aprenda a encantar, que realmente saiba dar profundidade às emoções e às personagens. Pois do jeito que o fez em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, ficou devendo muito em todos esses quesitos. O mundo tem potencial para isso. Algumas cenas são lindas. Mas acaba o filme e pouco realmente ficamos conhecendo de seus lugares, de seus povos e dos motivos mais profundos para que alguém queira tirar a liberdade de tudo isso. O diretor preocupou-se mais em criar criaturas bonitinhas em computação gráfica do que elaborar um filme que pudesse entrar realmente no coração das pessoas. Com tanto dinheiro e tantos fãs envolvidos, isso é sim uma heresia.

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