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Críticas

Cineplayers

Ainda que a narrativa seja convencional, é um filme grandioso, dirigido com contagiante paixão e mais atual do que parece.

8,0

Mesmo sendo o mais famoso e prestigiado prêmio do Cinema, o Oscar, talvez mais do que nunca, segue com seus critérios questionados tanto pelo público quanto pela própria indústria. Uma das principais críticas à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (responsável pela entrega do prêmio) recai sobre a falta de ousadia de seus membros, apegados a um estilo de cinema mais tradicional e pouco aberto a inovações temáticas e quebras de barreiras. Assim, quando analisado em retrospecto, diz-se que o Oscar cometeu diversas injustiças ao longo de muitos anos, premiando obras apenas corretas em detrimento de outras dominadas por grande força criativa e que ajudaram a mudar linguagem e o próprio modo de se fazer filmes. Foi o caso, por exemplo, dos anos de 1942, quando Como Era Verde Meu Vale (How Green Was My Valley, 1941) superou Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), e 1977, com Rocky – Um Lutador (Rocky, 1976) levando a estatueta no lugar de Taxi Driver (idem, 1976).
  
A preferência da Academia por um estilo narrativo mais clássico e convencional ficou clara, mais uma vez, na cerimônia de 1991. Mesmo com a presença de Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990), considerado por muitos o melhor filme da carreira de Martin Scorsese, entre os cinco finalistas, o grande vencedor da noite foi Dança com Lobos, um épico de três horas de duração que, enquanto fazia uma espécie de retomada do gênero faroeste, trazia muitas características capazes de encher os olhos dos votantes do Oscar: belíssimas imagens de paisagem, história de redenção e autoconhecimento e trilha sonora grandiosa – sem contar, claro, o fato de ter sido um grande sucesso de bilheteria em todo o mundo. Dança com Lobos parecia ser uma produção planejada e executada com o objetivo de levar o maior prêmio do cinema e, por mais que seja difícil apontar com certeza as intenções dos produtores e do diretor, a ideia deu certo: o filme conquistou nada menos do que sete estatuetas.

No entanto, a adoção de um estilo de cinema acadêmico e tradicional como o visto em Dança com Lobos não significa, necessariamente, que o resultado será um filme ruim. Muito pelo contrário: a obra, mesmo vinte anos após o seu lançamento, permanece como uma belíssima realização, com cenas de tirar o fôlego e uma jornada emocional capaz de falar com qualquer espectador. O impacto do filme se torna ainda mais surpreendente tendo em vista ser apenas o primeiro trabalho de Kevin Costner como diretor. À época, Costner era um dos grandes astros de Hollywood e sua incursão atrás das câmeras, especialmente em um projeto dessa magnitude, era vista com certa desconfiança. O ator/diretor, entretanto, surpreendeu o mundo com um trabalho seguro e muitíssimo bem planejado, no qual a riqueza de detalhes apenas deu mais veracidade a uma história contada com real paixão e sentimento. Uma pena, porém, que Costner jamais tenha repetido o mesmo sucesso como realizador – ainda que, justiça seja feita, seu último filme, Pacto de Justiça (Open Range, 2003), seja um esforço bastante digno.

Verdade que Dança com Lobos não é ousado ou inovador. Porém, em defesa de Costner (e do roteirista Michael Blake, também autor do livro no qual a obra é baseada), o filme nem busca isso. Trata-se, na verdade, de uma história até simples, básica, mas muito bem contada. A estrutura do enredo, sobre alguém abraçando uma nova cultura a ponto de renegar e até mesmo lutar contra a sua própria, já havia sido utilizada anteriormente, como em Um Homem Chamado Cavalo (A Man Called Horse, 1970), assim como também foi aproveitada depois, a exemplo Avatar (idem, 2009). Não há grandes surpresas na trama ou soluções de roteiro que possam ser chamadas de originais. Desde a aproximação de John Dunbar (Costner) com os Sioux, passando pela sua relação amorosa com De Pé com o Punho (Mary McDonnell, excelente) e chegando até o confronto com os soldados, Dança com Lobos segue uma linha narrativa bastante óbvia, que, além de tudo, é realçada por algumas escolhas questionáveis: será que havia a necessidade de cenas deus ex machina como a do búfalo investindo contra o jovem Sioux ou o flashback explicando o ataque à família de De Pé com o Punho?

No entanto, a previsibilidade do argumento em nada diminui a força do filme. Dança com Lobos segue ainda hoje como uma daquelas realizações cinematográficas capazes de imergir o espectador na jornada de seus personagens, fazendo-o se importar com o destino de cada um deles. Segundo a lenda, Costner não aceitou a imposição do estúdio de reduzir o filme para, no máximo, duas horas e vinte de projeção. A teimosia do cineasta foi fundamental. Dança com Lobos, ao contrário de outras dezenas de produções, tem a sua longa duração totalmente justificada, uma vez que ela ajuda a transmitir a veracidade da aproximação e da amizade entre Dunbar e os Sioux. A relação é construída com calma, pouco a pouco, e, exatamente por essa razão, torna-se real. Fosse o filme mais curto, o relacionamento entre o protagonista e a tribo – que é, de fato, a essência de toda a história – poderia parecer acelerada demais, perdendo a credibilidade e acabando com qualquer ambição artística que a obra possuísse.

Assim, a opção de Costner por uma narrativa mais cadenciada se tornou primordial para o sucesso da produção. Dança com Lobos é um filme que aposta em um crescimento gradual, desenvolvido sem pressa, no qual a excelente fotografia, cenários e figurinos ajudam a transmitir verossimilhança àquele lugar e àquela época. Por vezes, a obra é até mesmo visualmente poética: o cineasta prefere, durante boa parte do tempo, deixar as palavras e os diálogos de lado para apostar em longas cenas de silêncio, ressaltando, primeiramente, o isolamento e a solidão do protagonista, e, em um segundo momento, a dificuldade dos primeiros passos da comunicação entre os personagens. Assim, Costner utiliza-se de diversos planos contemplativos – e maravilhosos, por sinal –, explorando a beleza natural do local, e outros nos quais os olhares dizem muito, o que fica claro nos primeiros passos do relacionamento entre Dunbar e a “mestiça”.

Há, como consequência deste desenvolvimento cuidadoso, uma boa compreensão sobre quem realmente é cada um dos personagens principais. As personalidades de Dunbar, De Pé com o Punho, Pássaro Esperneante e Cabelos ao Vento são bem definidas e conseguem escapar do lugar-comum. O protagonista, principalmente, é retratado pelo roteiro e por Costner como uma figura complexa, um homem perdido que jamais encontrou o seu lugar – daí o fato de considerar o tempo que passa no forte abandonado como os melhores dias de sua vida. Apenas quando começa a compreender as tradições e a forma de pensar dos Sioux é que Dunbar descobre quem realmente é. Em certo momento, após uma batalha, o personagem diz, de forma reveladora: “Eu nunca estive em uma batalha como esta antes. Esta não foi uma luta por território, riquezas ou para libertar homens. Esta batalha não teve ego ou interesses políticos. Ela foi lutada para preservar as reservas de comida do inverno, para proteger as vidas das mulheres e crianças e entes queridos ao nosso lado. Eu senti um orgulho que nunca havia sentido antes”.

Outro mérito do roteiro de Blake é não cair na armadilha de retratar o Dunbar do início do filme como alguém com ódio ou preconceito em relação aos indígenas. Na verdade, o filme o apresenta, a princípio, como um suicida, alguém sem nada a perder, que encontra uma segunda chance em sua vida. E, exatamente por possuir curiosidade e uma cabeça aberta é que decide ir para a fronteira, já provavelmente ansiando por este contato com a cultura Sioux. Costner, em uma boa atuação, capaz de sustentar o filme, evita fazer de Dunbar um homem preconceituoso ou ignorante que aos poucos muda sua opinião – o que poderia acabar soando até forçado. Pelo contrário, o soldado parece não possuir preconceitos desde o início, ignorando praticamente o que já ouvira falar sobre aquele povo: “Nada do que me falaram sobre estas pessoas está correto. Eles não são ladrões ou mendigos. Não são o bicho-papão que dizem por aí. São convidados educados e eu aprecio o humor deles”. Esta questão, o fato de Dunbar ser receptivo à cultura Sioux, torna a aproximação entre os dois mundos muito mais real e fácil de acreditar.

E talvez seja exatamente aí que Dança com Lobos encontre a sua atemporalidade, seguindo como um grande filme ainda hoje. Sim, é uma obra que cria laços entre a plateia e os personagens (até mesmo o destino do cavalo de Dunbar e do lobo conseguem emocionar), mas o que torna a trama tão universal é verdadeiramente o choque entre as culturas e as civilizações. Dança com Lobos é, não obstante algumas cenas de batalha, um filme que prega o diálogo e a compreensão entre os povos, não de forma panfletária, e consequentemente intragável, mas através de uma bela história pessoal. A troca de experiências entre o protagonista e os Sioux, o conhecimento que adquirem um sobre o outro e a tolerância inicial que acaba levando à amizade são temas que estabelecem paralelos com as relações entre diferentes culturas nos dias atuais. O fanatismo e o preconceito ainda exacerbados hoje podem fazer da convivência pacífica uma mera utopia, mas uma história como a de Dança com Lobos, mesmo que alguns a vejam como ingênua, acaba tocando a fundo cada espectador que ainda tem a esperança de ver um mundo diferente.

Da mesma forma, o filme também consegue fugir dos estereótipos na forma de retratar estas diferentes civilizações. Seria fácil apresentar os Sioux apenas como bonzinhos e o exército americano como unicamente malvados, mas não é isso o que acontece. Os indígenas são, por vezes, brutos e primitivos, enquanto um dos oficiais, por exemplo, demonstra extrema bondade e interesse por Dunbar no momento em que este é capturado após ter abraçado a cultura dos nativos – os soldados que o maltratam, enquanto isso, parecem fazê-lo mais por ignorância do que por uma maldade intrínseca e caricatural. O único povo mostrado de forma unidimensional em Dança com Lobos é a tribo dos Pawnees, inimigos dos Sioux – porém, são quase figurantes e mais tempo em tela para eles poderia prejudicar a dinâmica entre Dunbar e os índios.

Mas um grande filme, especialmente um épico como este, não se faz sem cenas icônicas e grandiosas, e Dança com Lobos tem a sua parcela delas – algumas, inclusive, já parodiadas no cinema, como em Top Gang – Ases Muito Loucos (Hot Shots!, 1991). Se os momentos de Dunbar sozinho no forte representam alguns dos melhores trechos da produção, sequências magnificamente planejadas e executadas como a caçada aos búfalos transmitem ao espectador a sensação de realmente estar assistindo algo diferenciado, não apenas pelos quesitos técnicos da realização, mas por seu significado temático – é o instante no qual Dunbar realmente se vê como parte daquela nova cultura, quando é abraço pelos nativos de forma definitiva. É uma cena visualmente belíssima e dramaticamente significativa, o tipo de momento capaz de ser lembrado por muitos anos. Não é à toa que, ainda hoje, é esta a cena que vem à memória quando o filme é lembrado.

Com sequências desta natureza, narrativa bem planejada e uma jornada emocional que realmente fala com a plateia, Kevin Costner fez de Dança com Lobos um grande filme, no qual os aspectos convencionais e a falta de ousadia não incomodam. Talvez não fosse a melhor realização daquele ano, mas, ainda hoje, a obra possui uma força inegável, inclusive pela atualidade dos temas que discute. E, neste sentido, o último plano do filme, com Dunbar e sua esposa vagando pelas montanhas geladas, sabendo que não podem pertencer a nenhuma das duas culturas, é significativo: a intolerância sempre existiu e, infelizmente, parece longe de encontrar o seu final.

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 15:06

O Filme (ao lado de Revenge) que me fez rever meus conceitos sobre Costner. O cara é bom. Tem talento, mas não consigo desassociar a imagem dele de O Guarda-Costas, um dos meus filmes mais odiados de todos os tempos com a música mais irritante que já ouvi (gostava dela com Kenny Rogers!!!).

Hudson Borgato. | sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015 - 13:04

Dança com Lobos envelheceu muito bem, filmaço !!

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