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Críticas

Cineplayers

Um filme que mostra como o diretor era um "bom com atores" - uma maneira delicada de chamá-lo de ruim.

4,0

Estranha a recepção hoje da obra do diretor, roteirista e produtor americano Joseph L. Mankiewicz. Vencedor de quatro Oscar, diretor de grandes elencos, grandes orçamentos, preferido dos estúdios, tem seus filmes famosos reprisados constantemente na TV, aberta e fechada, mas só suas obras muito famosas chegaram ao DVD. Ele não é objeto de mostras ou retrospectivas. Nenhum crítico brasileiro elogiou sua carreira em um ensaio alentado. Tornou-se, praticamente, o diretor de A Malvada (All about Eve, 50).

Aliás, os críticos costumam referir-se a ele como “grande diretor de atores” e “mestre dos diálogos” – eufemismos para dizer que ele era ruim diretor. Seja como for, seus filmes que saem em DVD no Brasil são pobres, em versões descuidadas, sem acréscimos significativos. Dos 23 filmes que Mankiewicz dirigiu, apenas oito estão disponíveis no país.

Talvez uma explicação para esse relativo desleixo com a obra de Mankiewicz esteja em De Repente, no Último Verão (Suddenly, Last Summer, 59). Mesmo tendo se baseado numa peça de Tennesse Williams, adaptada para a tela pelo próprio e por Gore Vidal, e com Katherine Hepburn, Montgomery Clift e Elizabeth Taylor no elenco, o filme é decepcionante. Indefensáveis as cenas com os meninos do norte da África que matam e devoram parcialmente o poeta fracassado Sebastian, um americano homossexual que dava em cima deles. Não se sabe se são xenófobas e racistas ou simplesmente ridículas.

A trama também é quase implausível. A amiga (Taylor) que vê a tal cena enlouquece, pois era apaixonada platonicamente por ele. A mãe (Hepburn) quer submeter a moça a uma operação de lobotomia para que ela fique impossibilitada e não conte a ninguém o acontecido. Segundo o The New York Times do último domingo (24/09/2006), a peça curta foi escrita justamente na época que Williams, ao ser rejeitado por uma mulher, descobre-se gay e, cheio de angústias e preconceitos, vê na sua vida apenas solidão e tristeza, daí a confusão superlativa também do filme.

Mankiewicz não só alongou excessivamente a trama como amaciou tanto o tema que o público só fica sabendo da trama por meio alusões veladas tão sutis quanto exageradas – Gore Vidal se defende dizendo que estavam amarrados pela censura na época do macartismo. A estória só se desenvolve depois da metade, tornando os primeiros 45 minutos um exercício de histrionismo de Katherine Hepburn. Elizabeth Taylor tem sua cena final que não funciona e Clift, canastrão, talvez tenha aqui seu pior papel no cinema.

A crítica americana Pauline Kael foi uma das maiores opositoras do cinema de Joseph L. Mankiewicz, mesmo com toda a badalação em torno de seu trabalho. Quando ele fracassou terrivelmente em Cleópatra (63), interminável filme de três horas de duração que foi um fiasco de bilheteria, a crítica apenas reiterou seu ponto de vista: a visão artística de Mankiewicz era limitada, excessivamente “mainstream” para vôos mais altos.

Kael detestou De Repente, no Último Verão. Chamava-o de “filme de horror involuntário ridículo e pesadão” – ela sempre preferiu o irmão de Joseph, Herman L. Mankiewicz, para ela o verdadeiro criador de Cidadão Kane (escreveu um livro inteiro para provar a tese de que o sucesso do filme se deve a ele, não a Orson Welles).

Sobre Um Americano Tranqüilo (The Quiet American, 58), Kael escreveu que foi “um fracasso comercial e também artístico”. Quando Charada em Veneza (The Honey Pot, 67), filme “verborrágico e supercomplicado”, foi reduzido de 150 para 130 minutos a mando do estúdio, Kael escreveu na New Yorker que o espectador deveria dar graças a Deus. De Cinco Dedos (Five fingers, 52), “não muito emocionante”. Mas se supera em A Condessa Descalça (The Barefoot Contessa, 54): “É difícil imaginar que Mankiewicz tenha jamais passado uma hora em Hollywood; ou talvez tenha passado horas demais”. Há quem goste de Eles e Elas (Guys and Dolls, 55), musical lendário da Broadway que Mankiewicz, ainda segundo Kael, teria arruinado.

De qualquer forma, De Repente, no Último Verão só agrada mesmo quem adora um empolado dramalhão americano com alguns leves toques de tensão emocional. Williams faria muito melhor depois, quando, já admitindo a homossexualidade, escreveu alguns clássicos do teatro, como Doce Pássaro da Juventude e Gata em Teto de Zinco Quente, também mal transpostos para o cinema por Richard Brooks. Sua força só chegou plenamente ao cinema quando Elia Kazan adaptou Boneca de Carne e Um Bonde Chamado Desejo, esses sim grandes clássicos do cinema que revelaram a grande força do autor – o papel de Vivien Leigh é, na verdade, um gay.

Segundo informa o site oficial do Oscar, Mankiewicz venceu quatro vezes: por Quem é o Infiel? (A Letter to Three Wives, 49), como diretor e roteirista, batendo Robert Rossen em A Grande Ilusão (All the King’s Men), e novamente nas mesmas categorias por A Malvada (pela qual também venceu o Grande Prêmio do Júri, em Cannes), tendo recebido outras cinco indicações – três pelos roteiros de Skippy (30/31), O Ódio É Cego (No Way Out, 50) e A Condessa Descalça, e mais duas como diretor de Cinco Dedos e Trama Diabólica (Sleuth, 72). Deveria estar na lista oficial como melhor produtor por Núpcias do Escândalo (The Philadelphia Story, 40), mas, na época, as indicações eram para os estúdios apenas.

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