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Críticas

Cineplayers

Discurso enfraquecido.

6,0

Há certa perda de rumo em Deixe a Luz Acesa (Keep the Lights On, 2012). Não é o caso de pensar apenas na trajetória de Paul, homossexual vindo de uma relação hétero e que se encontra dependente de crack. A condição fundamental que rege a história é a homossexualidade e isso fica bem claro com a cena de abertura, focada em Érik. Mais tarde esses dois personagens se conhecem, começa a paixão, os bons momentos, seguidos por crises e distúrbios. Estes causados principalmente pela dependência de Paul. Aí o filme também perde um pouco de seu rumo. Parece que o foco de estudo deixa de ser o universo gay e passa para o universo da droga.

E às vezes com a estranha sensação de que ambos são complementares, em rompimentos com a sociedade que levam a submundos, lugares jogados na escuridão. E não é bem por aí. Faltou sensibilidade para dizer de forma bem clara que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Pode-se até argumentar que a intenção não era falar apenas do universo gay, dos relacionamentos, da dificuldade de se construir relações tradicionais (como se de fato houvesse interesse irrestrito nisso), mas apenas mostrar que a relação entre dois homens sofre de males comuns a qualquer tipo de relacionamento entre duas pessoas.

Entretanto, se assim fosse, o começo todo deveria inserir o casal em um contexto típico, e não buscar ligar o homem gay ao sexo quase compulsivo, ao desencaixe social, ou buscar explicações na droga. Nesse sentido, Deixe a Luz Acesa é claramente sobre a dificuldade de se preservar um relacionamento frente essa dependência, por mais que o amor faça com que Erik não desista de Paul e se entregue a ele mais do que o contrário. O foco, portanto, muda. Há um rompimento com o espectador.

Ira Sachs gosta dessa visão particular de relações e da sociedade, que precisa de fugas para não encarar a realidade. É só ver o enredo de seu outro filme, Vida de Casado, no qual um homem adúltero forja a morte da esposa para que ela não seja obrigada a passar pela vergonha do divórcio. É Melhor morrer. É como se em Deixe a Luz Acesa, portanto, a droga fosse essa válvula de escape, mais uma consequência da insegurança de Paul, que acabara de sair de um relacionamento heterossexual sem a menor coragem de se assumir para sua ex-namorada. A abordagem de Sachs parece não colaborar tanto para o tema que explora. 

O homem gay em busca de companhia sexual e afetiva via encontros marcados às cegas pelo celular é real, assim como as situações de héteros em busca de fugas para seus relacionamentos, de homens apaixonados por seus músculos – e com este personagem específico também há a droga no meio e como elemento de fuga - e outros desinteressados em compromissos sérios. Mas o filme parece apenas usar a situação dos rapazes para falar da devastação sentimental causada pela droga – e tanto faz que sejam dois homens.

É diferente, por exemplo, de O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), que não existiria em um romance entre pessoas de sexos opostos, não faria sentido. Não haveria mensagem, não haveria drama. Pois não se pode dizer o mesmo deste exemplar, no qual tanto faz a condição de homossexualidade para o que, afinal, se tornou aquela história.

A homossexualidade se torna adereço, o que é ruim, pois se ainda há preconceito e segregação, a arte deve vir para romper, e não para confundir. Parece, por vezes, mas com boa vontade se vê que não, haver a junção da homossexualidade a uma sociedade suja ou doente. Justamente o contrário do que Deixe a Luz Acesa quer dizer de fato. Tem atmosfera levemente retrô – o começo é no final dos anos 90 - talvez porque esse sentimento de não pertencimento tenha ficado para trás. Também não há a inclusão completa, existem causas a serem travadas e o filme não se presta a esse papel. Não era pra militar, mas era para produzir reflexões. Ao mesmo tempo, contudo, é real e sincero.

Comentários (2)

Douglas Rodrigues de Oliveira | sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013 - 14:44

Boa crítica! Bem, o jeito como o relacionamento começa é extremamente orgânico - amizade convertida para tesão e depois o amor, tudo em meia-hora... Partindo de um novo público, quase todo filme é convertido aos poucos hoje em dia para este "favor-realismo" inseguro, o que não é necessariamente ruim, mas que nesse filme acaba por ser no final das contas.

Vítor Miranda | segunda-feira, 10 de Março de 2014 - 22:52

não acho que o filme transite do \'universo gay\' pro \'universo das drogas\'.
na realidade o filme é sobre dois viciados: Paul é viciado em drogas enquanto Erik é viciado em Paul, quase não é amor o que ele sente, é um vício também. Um vício que o leva a pegar na mão do namorado enquanto este tem relações sexuais com um garoto de programa na sua frente, na cena mais pesada e devastadora do filme. Um vicio que o leva a aguentar humilhações de um relacionamento destrutivo que se arrastou por quase 10 anos.
é minimizar o filme dizer que ele levará a \"preconceitos\" que a arte deve \"rompê-los\", a arte é livre e não deve se prender a essas questoes, e sim contar uma boa historia, seja ela qual for.
nada ali no filme é extraordinário ou fora da realidade, está presente no universo gay e hétero. a relação mais bonita do filme é \"hétero\": a de Erik com sua melhor amiga.

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