Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Cinema autoral que demonstra fragilidades, tanto na concepção quanto na execução.

5,0

(Cobertura do Festival do Rio 2008)

O que seria fazer “cinema autoral” hoje em dia? Se pegarmos como exemplo Delta (e muitos, muitos outros), a fórmula parece simples: uma história de fácil compreensão, planos enormes, pouquíssimo diálogo e fotografia exuberante. É o passaporte para qualquer festival do mundo – este chegou a ganhar o prêmio da imprensa estrangeira no último Festival de Cannes –, mas a sensação é que o tal termo “cinema autoral” hoje não tem mais a força de um Tarkovsky, só para citar um exemplo mais próximo. Falta inteligência e, acima de tudo, complexidade.

E complexidade é algo que jamais deveria faltar a um filme como Delta, que trata do espinhoso tema do incesto entre dois irmãos. Mihail (Félix Lajkó, também compositor da trilha sonora) retorna ao lar, às margens do rio Danúbio, após anos ausente. Conhece a irmã mais nova, Fauna (Orsyla Tóth), sob a repressão do amante da mãe. Decide então ir morar na cabana do falecido pai, e não tarda para que a irmã vá morar com ele. Juntos, decidem construir uma casa, para olhares enviesados tanto da família quanto da população local. A relação incestuosa logo se concretiza.

De certo é que há camadas no filme que a gente não sabe quão profundas são realmente. Pegando como exemplo o personagem Mihail, percebe-se que há idiossincrasias não tão fáceis de serem resolvidas, e essa ambigüidade é incômoda. Após anos longe de casa, retorna com uma espécie de inocência, misturada com resquícios anti-sociais, que adicionadas à falta de quaisquer referências ao passado prejudica qualquer tentativa de compreensão de algumas cenas cruciais. Como aquela em que o tio de Fauna pergunta a ele sobre o estado de saúde da garota, e Mihail apenas responde “não entendo dessas coisas”.  As tentativas do roteiro de desestabilizar o espectador acabam não funcionando, porque a narrativa prefere se esquivar de certos apontamentos, quando deveria ser mais pungente.

Mihail é, portanto, a peça-chave pro entendimento. Dependendo da forma como o espectador encarar a natureza dele, poderá obter diferentes respostas. Mas não por ser um personagem complexo, e sim indefinido. Os diálogos complicam ainda mais, pois além de serem raros, apresentam uma pretensão do roteiro de se tornar pueril – talvez uma tentativa de suavizar a história –, mas acabam parecendo que foram escritos displicentemente. Quando a mãe dos irmãos tenta convencer Fauna a não ir morar com o irmão, o máximo que consegue dizer é “você é uma menina muito burra”. E nós, somos o quê?

É notável como o diretor húngaro Kornél Mundruczó, (pouco) conhecido no Brasil pelo seu filme anterior, Johanna, imprima seu apurado senso estético à história, ainda que a torne pouco naturalista. Apoiado por locações deslumbrantes, Mundruczó imprime à câmera um olhar intimista, dando leveza a cada fotograma de registro da polêmica relação. Não à toa, quando surge o primeiro beijo, é um close dos pés que apresentam a cena – recurso devidamente já usado previamente, ainda que efetivo. Em cenas mais chocantes, com a de um estupro, prefere posicionar o equipamento ao longe, de onde pouco se realmente vê. Mas mesmo na execução técnica existem falhas. Uma cena de funeral, sob música grandiloqüente, é tão desconexa do resto que parece pertencer a um outro filme. Outra, com martelos ritmados, remeteu-me na hora à Dançando no Escuro, do Trier. Quanto ao desfecho, novamente um impasse. Estaria o filme apresentando a intolerância em sua forma mais cruel ou apenas dando uma lição de moral reacionária?

A forma como cada um vai decodificar cada um desses meandros poderá determinar a apreciação, ou não, de Delta. Mas, pensando bem, é isso que o filme quer: que tomemos nossas próprias resoluções ficando em cima do muro. E essa falta de partido o faz covarde. Que então não abordasse o tema, pois do jeito que ficou, tornou-se dispensável.

Comentários (0)

Faça login para comentar.