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Críticas

Cineplayers

Em momento bem oportuno, comemora a Democracia e os efeitos dela sobre a vida das pessoas.

5,0

Aproveitando-se, talvez, dos dois últimos anos turbulentos em nosso cenário político (2013, as manifestações que levaram às ruas parcela significativa da população; 2014, ano eleitoral), Depois da Chuva pode parecer uma obra bem conveniente, pois discute ditadura, liberdade de expressão, democracia (ou a falta dela), lavagem cerebral na cabeça da população etc. De fato, o trabalho da dupla Cláudio Marques e Marília Hughes traz esses temas e, em nota positiva, tenta aprofundá-los na psique de um adolescente aparentemente normal dos anos 1980, Caio. Diz-se em nota positiva, pois o filme não tem a pretensão de abraçar a discussão política como um todo, que é excessivamente abrangente e, convenhamos, impossível de ser abraçada – e muito menos definida ou ainda menos resolvida – em qualquer obra cinematográfica.

Traçando um paralelo entre a primeira eleição democrática após a queda da ditadura e a eleição do grêmio estudantil no colégio em que Caio estuda (melhor, ele não estuda, ele se apresenta às aulas), Depois da Chuva embasa e destrincha, dentro de suas limitações, esses temas de preferências subjetivas – afinal, nenhum regime político é livre de problemas. Passa-se em Salvador (é um alívio ver um set para um filme desse tema que não seja no Sudeste), não que o cenário importe, pois ele pouco explora da cidade, talvez por limitações financeiras, temos poucas cenas fora do colégio, mostrando a cidade em uma tentativa de representação do final dos anos 1980.

Cabe então a Caio, o novato ator Pedro Maio, a incumbência de levar no braço a carga dramática de Depois da Chuva. Porém o personagem apresenta uma construção mal desenvolvida, sem a presença de personagem que seria esperada. Ele é vendido pelo roteiro como um líder nato, “a quem as pessoas seguiriam” (palavras de outro personagem durante o próprio filme), talvez pela sua pretensa rebeldia em desafiar seus professores. Porém, ele não apresenta expressão alguma, não é particularmente um bom estudante – aparentemente, ele quer mudar o modelo de estudo por pura preguiça em estudar e não por achar que o modelo imposto pela diretoria ou pelo Sistema não funciona –, uma garota de sua turma apaixona-se por ele por pura libido adolescente (pois em nenhum momento ele justifica o porquê ele seria alguém desejável) etc.

Com um ponto central tão superficial e mal conduzido, os coadjuvantes, que teriam chance de brilhar, não o fazem. Há sub-tramas que não se justificam, como a da indiferente mãe de Caio (que não ama o filho, e este não faz absolutamente nada para receber amor, também), que são dispensáveis. Os amigos limitam-se a ouvir música ruim progressista, fumar maconha e passar o tempo em uma rádio pirata anarquista. Na realidade, são jovens normais, como os que encontramos hoje, desinteressados pelos estudos, desestimulados pelos pais e professores, e nada revolucionários senão da boca pra fora. Nesse sentido, o filme sai-se muito bem ao apresentar uma juventude vazia e fútil (tanto quanto a atual, eliminando um pouco daquela velha história de que a nova geração é pior do que a antiga), embora eu não tenha certeza que esse foi o objetivo de Cláudio Marques quando escreveu Depois da Chuva.

Filmes de estreia (em longa-metragem) são trabalhos difíceis na carreira dos cineastas, e este tem seus méritos e muitos deméritos, o que é natural. Acredito que o melhor ponto seja o registro e o retorno a um momento importante de nossa história (parece que foi ontem, mas já é História), aqui realizado através da visão de uma classe social específica (adolescentes de classe média alta). Mérito ainda por ter conseguido lançamento, ainda que limitado, no circuito brasileiro, essa é talvez a grande vitória de Marques e Hughes. Depois da Chuva não tem força expressiva para mudar a visão política (apesar de isso poder ser dito de qualquer filme) e temo que falhe mesmo em abrir espaço maior para discussões, por mais atual que a história de quase 30 anos se apresente hoje.

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