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Críticas

Cineplayers

A vida pós-maio de 1968.

8,0

Dentre todos os filmes que tentaram retratar a juventude setentista pós-maio de 1968, talvez o mais poético seja Água Fria (L’eau froide, 1994), de Olivier Assayas. Mas, ao que parece, o cineasta sentiu que faltou dizer muita coisa neste trabalho e desde então vem procurando o momento ideal para voltar a esse tema sem soar repetitivo, complementando o trabalho anterior ao se focar em temas como música, cinema e mesmo o amor.  A oportunidade surge agora com seu novo filme, vencedor de melhor roteiro no último Festival de Veneza, Depois de Maio (Après mai, 2012), protagonizado pelo mesmo personagem de Água Fria, Gilles (agora interpretado por Clément Métayer).

Talvez não tão poético e um tanto mais frio que seu filme complementar, Depois de Maio segue por um caminho mais específico de debate. Dividi-se na opinião dos jovens politicamente engajados, influenciados pelo movimento estudantil de maio de 1968, hippies, e alguns radicais que questionam a relevância do cinema como arte útil, afirmando se tratar de entretenimento voltado para a burguesia. Entre tantos tipos, Gilles segue uma jornada de inúmeras descobertas, dessas sempre presentes em filmes adolescentes sobre descobertas, como sexo, amor, drogas, e, por fim, a dura realidade que se aproxima com a chegada da vida adulta. O diferencial está no distanciamento que Assayas adquire em relação a esses temas.

Como se desenrola em 1971, a trama retrata uma época em que, apesar das influências do movimento estudantil, já despontavam alguns outros influentes que começavam a se confrontar com as ideologias antes estabelecidas. Ainda existem os protestos, as reivindicações e a propagação de ideias de maneira anárquica, mas por alguma razão tudo parece mudado. Com as descobertas de nível pessoal, dessas que fazem alguém amadurecer e se desenvolver como pessoa, Gilles começa a enxergar tudo aquilo de uma maneira mais ampla. Dessa forma, há quase um insight de metalinguagem, onde o cineasta coloca seus personagens se confrontando com temas que antes tanto defendiam, graças à ação do tempo, enquanto nós como espectadores conseguimos analisar tudo isso de uma distância ainda maior, de uma perspectiva histórica que só vem com o passar dos anos. 

Fugindo das armadilhas que todo santo filme de temática parecida acaba caindo cedo ou tarde em seu desenrolar, Après mai não abusa de uma fotografia multicolorida, de atmosfera psicodélica e música pop. Sua visão desta época é sóbria e expõe a inocência dessa geração quando olhada hoje em dia, já que no fundo, eles acreditavam piamente que poderiam fazer do mundo um lugar melhor. As cores são frias, a atmosfera é melancólica e o objetivo não é simplesmente retratar a geração jovem dos anos 1970, mas sim tentar compreendê-la, expor os conflitos de caráter mais íntimo de seus personagens – uma tentativa de Assayas, que viveu aquilo, contar para nós não somente um pouco de suas experiências, como também apresentar seu olhar atual sobre tudo aquilo que passou. A música e o cinema ganham um enfoque maior, e as discussões em volta dessas duas artes são bastante ternas.

E o que há de mais sensível neste trabalho é maneira universal com que Assayas engloba gerações. Apesar de o que estar em tela sejam os jovens intensos de décadas atrás, a visão do cineasta atinge a juventude como um todo, incluindo a de agora, de modo que consegue trazer à tona sentimentos que em tantos outros filmes pareceram ultrapassados para nós, mas que agora parecem tão próximos. Despindo-se de estereótipos, o que sobre é uma belíssima imagem bruta do ser humano enquanto jovem – inseguro, indeciso, curioso, mas sempre movido por uma paixão intensa que ora produz tanta efervescência, ora o obriga a se deparar com a súbita vida que escolheu levar, com ou sem consciência dessa decisão imutável.

Comentários (3)

Heitor Romero | domingo, 04 de Novembro de 2012 - 10:21

liberei para notas. 😉

Patrick Corrêa | quinta-feira, 09 de Maio de 2013 - 22:54

Ótimo texto para um filme maravilhoso.

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