Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Thriller genérico, mas de razoável eficiência.

6,0

Há aproximadamente três anos, o Cinema ganhou um improvável herói de ação: o irlandês Liam Neeson. Na verdade, o respeitado ator já havia participado de outras produções do gênero – normalmente interpretando o mentor do protagonista, como em Star Wars Episódio I - A Ameaça Fantasma (Star Wars Episode I – The Phanton Menace, 1999) e em Batman Begins (idem, 2005) –, mas foi o razoavelmente divertido Busca Implacável (Taken, 2011) que o colocou como astro de thrillers que em outros tempos seriam estrelados por astros consideravelmente menos talentosos do que Neeson. O surpreendente sucesso do filme não passou despercebido diante dos olhos gananciosos dos executivos hollywoodianos que, além de já estarem programando uma sequência da produção, escalaram o ator como o mocinho em uma produção semelhante àquele trabalho de Pierre Morel: este divertido Desconhecido (Unknown, 2011).

E não deixa de ser sempre bem-vindo acompanhar um intérprete do calibre de Liam Neeson encabeçando um trabalho convencional como este. Claro, inevitável pensar que o ator poderia estar ocupando seu tempo – e talento – em papéis de maior qualidade artística e com diretores respeitados, mas, se não se pode evitar a realização deste tipo de filme genérico, que ao menos seja estrelado por alguém que dá gosto de assistir. Neeson, com seu porte alto, voz forte e clara autoconfiança, torna-se um herói interessante, especialmente quando a sua capacidade dramática ainda consegue transmitir o carisma e até mesmo um certo grau de invulnerabilidade que são importantes em papéis como o do Dr. Martin Harris. É difícil a plateia não torcer e acreditar em Liam Neeson, mesmo que, como é o caso aqui, tudo pareça apontar para o outro lado.

Isso, por sinal, é fundamental para a narrativa do diretor Jaume Collet-Serra, também responsável pelo fraco A Casa de Cera (House of Wax, 2005) e o interessante A Órfã (Orphan, 2009). O primeiro ato de Desconhecido é baseado totalmente na dúvida que surge na cabeça do protagonista em relação à sua identidade e, caso a plateia não comprasse a confiança de Neeson, a história jamais convenceria. Felizmente, não apenas o ator cumpre o seu papel sem grande esforço como também o diretor é competente o bastante para estabelecer o clima de paranóia e questionamento pelo qual passa o personagem. Na realidade, o filme se revela extremamente promissor em sua primeira metade, aproveitando-se também de um roteiro (escrito por Olivier Butcher e Stephen Cornwell) que acerta ao oferecer apenas os elementos necessários para apresentar a situação. Logo após o acidente, assim que o conflito da história se torna conhecido, Desconhecido já capturou a atenção do espectador.

No entanto, deve ser dito, essa é a parte mais fácil. Estabelecer as bases de um mistério não é – com o perdão da redundância – um mistério; a grande dificuldade é conseguir dar um sentido a tudo isso. À primeira vista, Desconhecido parece o tipo de filme que acabará por sofrer desse mal. Talvez por recentes experiências traumáticas, o espectador acredita que a resolução para todo o caso não será à altura do que foi construído no início. Felizmente, o roteiro consegue se sustentar de forma bastante eficaz, tanto no desenvolvimento do enredo, mas, principalmente, na explicação final. Para surpresa geral, ela faz sentido (dentro do possível, claro) e é, até certo ponto, inesperada. A solução amarra pontos da trama que pareciam soltos e oferece uma boa reviravolta para o clímax. Claro, sem exageros, não se trata de um final como Psicose (Psycho, 1960) ou O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), mas é surpreendentemente divertido diante do que era possível esperar. Mérito para os roteiristas (ou para o autor do livro no qual o filme é baseado).

É uma pena que, mesmo assim, o roteiro ainda tenha sua parcela de problemas. Se a resolução tapa alguns dos furos que vinham se formando no desenrolar da trama, outros ainda permanecem sem sentido. Na verdade, até possuem sentido: o de atender às exigências do roteiro – são aqueles artifícios que se tornam necessários para fazer o enredo seguir adiante, mesmo que não façam muita lógica em termos racionais. É o caso, por exemplo, do momento em que a personagem de Diane Kruger deve ligar para avisar o protagonista sobre uma ameaça. De forma inexplicável, ela liga apenas uma vez e, em seguida, decide pegar um táxi para ir até onde ele se encontra. Qualquer pessoa sã tentaria ao menos mais umas três ou quatro vezes, não? Porém, estamos falando de um filme de ação hollywoodiano, onde acontecem coisas como essa e outras do tipo sair sem problemas de um hospital após quatro dias em coma, protagonizar uma perseguição em alta velocidade por Berlim sem ser perseguido pela polícia e preferir não chamar as autoridades para evacuar o hotel após descobrir a ameaça do clímax.

Da mesma forma, ainda que esperado, não deixa de ser uma pena o fato de que tanto Collet-Serra quanto os roteiristas prefiram seguir pela linha de um thriller convencional, apostando em sequências de ação nada mais do que corretas, em vez de desenvolver possíveis reflexões sobre a identidade e a perda dela – mas, claro, seria esperar demais de um filme como esse. Em prol da justiça, o cineasta ainda esboça alguns planos para representar isso (como ao enquadrar o protagonista em espelhos fragmentados), mas tais momentos soam apenas corpos estranhos diante da trama rasa que jamais busca este viés. Aliás, o mesmo pode ser dito das cenas nas quais Collet-Serra inclina a câmera de modo a simbolizar as dúvidas que se passam na cabeça do protagonista: diante de um filme tão quadrado, estas opções não trazem qualquer significado, surgindo unicamente como distração.

Mas Desconhecido conta com um elemento realmente acima da média: o ex-espião interpretado por Bruno Ganz – mais conhecido do público geral pela sua brilhante performance como Adolf Hitler em A Queda! As Últimas Horas de Hitler (Der Untergang, 2005). Mesmo com poucos minutos em cena, Jurgen se torna o personagem mais fascinante do filme: um homem extremamente astucioso e saudoso de seu passado, que aproveita o seu talento não mais necessário ao país de forma a dar sentido aos seus últimos dias na função de detetive particular. A óbvia inteligência do personagem e a delicadeza de Ganz em sua composição deixam no espectador a vontade de saber mais sobre quem é aquele homem, que parece infinitamente mais interessante do que o próprio protagonista. A última cena do veterano agente da Stasi é, indiscutivelmente, o melhor que Desconhecido tem a oferecer.

No entanto, apesar de sua falta de ousadia e razoável parcela de deslizes, o que já era esperado, Desconhecido é um thriller competente, divertido, capaz de entreter durante duas horas. Não vai mudar a vida de ninguém, mas também não machuca. E, convenhamos, assistir a Liam Neeson atuar, mesmo em uma produção sem qualquer ambição artística como essa, é sempre um prazer.

Comentários (5)

Daniel Guinezi | domingo, 21 de Agosto de 2011 - 16:13

Boa crítica.
Eu sei que soa um tanto conservador, e até chato, mas sinto falta das críticas dos editores tradicionais do cineplayers. Não que essa "nova geração" escreva mal, mas a questão é que eu já estou familiarizado com o estilo dos tradicionais e sou mais curioso em relação à opinião deles do que de novos críticos.
Tradicionais. Lê-se: Welinton Vicente para trás.

Alexandre Koball | domingo, 21 de Agosto de 2011 - 20:26

Daniel, sua observação é válida, com a entrada do Marcelo Leme, fechamos o ciclo de novas contratações e agora a "nova turma" deve ganhar identidade própria no site (sabemos que o excesso de circulação de nomes é ruim), com o passar dos meses, além do que os editores antigos continuarão aparecendo por aqui, pode ter certeza. Obrigado pelo feedback 😁

Paulo Hoffman | segunda-feira, 22 de Agosto de 2011 - 21:50

Parece ser realmente uma espécie de "Busca Implacável", que assisti há pouco mais de um ano. Se for, é um bom entretenimento. E Liam Neeson é sempre competente, mesmo em filmes de ação.

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 15:34

Acho que o pôster do filme tira grande parte da diversão do filme. Não deveriam ter posto a arma na mão de Neeson, pois vai de encontro à tudo o que o filme se propunha. É o marketing sabotando o próprio filme!
Mas é um filme muito bom!

Faça login para comentar.